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Alienação parental: o que é?

25 de setembro de 2019

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Alienação parental: o que é?

Sete anos…. E acabou. Eram tantas as promessas e esperanças na relação, mas, não deu certo. Agora é pensar nas crianças, em como contar a elas, organizar os papéis, dividir nosso patrimônio…. Primeira coisa, contar às crianças.

– Amores meus, papai e mamãe não moram mais juntos. Agora vocês terão 02 casas para morar. Vocês vão ficar aqui durante a semana e final de semana vão para a outra casa. Tudo bem?

– Tá bom! Podemos brincar?

– Dêem aqui um abraço. Vão lá!

Chega o primeiro final de semana:

– Então, posso ficar com as crianças esse final de semana? Precisava levá-las à festa de aniversário na família. Posso?! Sem problemas? Obrigada!

Segundo final de semana:

– As crianças estão doentes, melhor deixar para o próximo final de semana.

E a cada novo final de semana, uma nova desculpa aparece para que as crianças não visitem um dos pais. Aniversário nas famílias, febre, doença, aniversário dos amigos, desorganização, médico, exames, compromissos, viagens, tudo é motivo para desorganizar a convivência das crianças com o outro pai.

Passa-se tanto tempo entre os encontros que quando ele finalmente acontece, não há nenhum sinal de ansiedade pelas crianças:

– Seu pai chegou para buscar vocês!

– Ah, tá!, diz uma das crianças, de cabeça baixa, enquanto termina seu jogo.

– Vai pegar suas coisas.

– Já vou.

E vai, se arrastando, mochila pendurada em um dos ombros, dá um beijo protocolar na mãe para se despedir e já segue a caminho do carro. Passa pelo pai e escuta:

– Não vai me dar nem um abraço?

Ela dá meia volta na porta, passa as mãos ao redor do pai e diz “pronto”.

Nesse momento, os pais se olham e um diz:

– A culpa é sua! Você fica me impedindo de vê-los. Elas nem sabem direito quem eu sou.

– Minha culpa?!? Não fui eu quem decidiu sair de casa. Você é o irresponsável que abandonou as crianças e espero que elas entendam isso.

– Mentirosa! Melhor eu ir.

O nervosismo domina e, já dentro do carro, começa a falar “essa mulher não presta”, “ela só quer me distanciar de vocês”, “ela mal cuida de vocês”, “vejam só, nem as roupas certas para esse final de semana ela separou”, “ela quer mesmo é que vocês me odeiem”.

O fim de semana foi normal, mas as frases ouvidas no trajeto do carro permearam alguns momentos desses poucos 02 dias de convivência.

Domingo a noite, hora de voltar para a outra casa.

– Oi, crianças. Como foi o final de semana? O que fizeram?

– Legal! Ficamos em casa jogando e comemos pizza e hambúrguer.

– Vocês não comeram direito? Só pizza e hambúrguer? O que seu pai tem na cabeça? Não sabe cuidar de vocês! Preguiçoso e vagabundo que só pensa nele…

Cansadas, as crianças buscam refúgio nos seus quartos, talvez o único lugar em que as estrelas pintadas no teto permitam algum sonho nessa dura realidade.

O que tem demais na narrativa acima?

À primeira vista, parecem apenas desabafos feitos em momentos de raiva pelos pais aos seus filhos; traduções de como os adultos se veem e que são transmitidas às crianças para que elas conheçam a realidade.

A verdade é que narrativas como essa configuram o que chamamos de alienação parental e são situações que prejudicam a imagem que uma criança tem do seu pai ou da sua mãe e impactam negativamente na convivência entre eles.

A alienação parental está prevista na Lei n. 12.318/2010, que a define como a “interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este” e que acontece, por exemplo, na desqualificação da conduta de um dos genitores, na imposição de dificuldades para contato e convivência e a omissão de informações relevantes.

O objetivo da lei é proteger a criança

E o seu relacionamento com ambos os pais de maneira saudável, como está previsto no art. 3º da lei: “a prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda”. Assim, busca-se separar conflitos que existam entre os pais do dever que eles têm de cuidar dos filhos comuns, de modo que as opiniões e sentimentos que tenham origem no relacionamento entre os 02 adultos não impacte na criança, que tem o direito de ter contato com seus pais e construir sua própria opinião a respeito deles.

Em razão desse objetivo, a lei proíbe a prática de atos de alienação pelos pais, mas também por outras pessoas que sejam responsáveis pelas crianças, como, por exemplo, avôs, avós e quem exerça a guarda.

A prática de alienação parental não constitui crime, mas, se comprovada, por estudos interdisciplinares, impõe ao Poder Judiciário que tome decisões que reequilibrem a relação das crianças com os pais para impedir a continuidade dessa situação. Dentre as medidas de reequilíbrio a principal delas é a mudança no exercício da guarda ou da convivência.

Mas, então, o que fazer na prática?

Não há outra alternativa senão direcionar as frustrações à pessoa correta, deixando a criança fora do conflito que existe entre os pais. Essa é a única medida que não afeta o desenvolvimento da criança nem o seu relacionamento com pais e mães.

Nesse momento, talvez você esteja se perguntando: mas e se o pai ou a mãe que pratica a alienação parental for violento com a criança? E se o pai usa a criança como forma de praticar violência de gênero contra a mãe?

Bem, essas perguntas eu responderei no próximo texto.

Para finalizar, deixo aqui uma sugestão de vídeo sobre esse debate com profissionais de saúde a partir de uma novela que tratou do assunto.

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Doutora em Direito Civil, Professora de Direito Civil na FGV Direito Rio, Defensora Pública no RJ, Mulher negra, feminista, cisgênero.