Para entender o feminismo

Assumir-se feminista

6 de dezembro de 2018

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Assumir-se feminista

Por que é tão difícil se assumir como feminista para algumas mulheres? Talvez esta seja a resposta de outra pergunta: por que precisamos entender o feminismo? O feminismo pode ser muito complexo se pensado academicamente ou como movimento político, mas em algumas lições pode tornar-se algo simples e parte do nosso cotidiano.

Quando somos pequenas, recebemos uma série de códigos de conduta que a sociedade nos impõe, que podem nos influenciar diretamente o resto das nossas vidas. Mas há também laços e aprendizados que nunca devemos esquecer.

Quando paramos para entender o feminismo, temos que procurar descobrir como e quando nos tornamos feministas. Muitas de nós nunca se nomearam dessa maneira, mas houve mulheres antes de nós que já eram feministas, pessoas que se tornaram exemplos, mulheres a quem devemos o nosso lugar. Essas mulheres são nossas mães, nossas tias, primas, avós, professoras, vizinhas, freiras de colégio, pastoras de igrejas e até aquelas que limparam nossas casas ou vendiam quitutes, cozinhando em suas próprias casas e vendendo para fora. São mulheres inspiradoras que deram suas vidas, seus esforços, seus ensinamentos por nós. Mulheres de luta, muito sofrimento e pouca voz.

Eu me lembro exatamente quando me tornei feminista, mas só recentemente consegui identificar que aquele momento foi o início do feminismo na minha vida.

Minha mãe havia se separado do meu pai, e num ato de solidariedade, expôs para todas as mulheres da casa sua necessidade como provedora daquele lar dali em diante: ela apresentou suas dores em suportar tudo sozinha, e pediu ajuda para administrarmos conjuntamente o lar a partir dali, numa relação conjunta e horizontal. É óbvio que para nós um novo mundo havia começado, nós éramos cinco dividindo uma casa: uma mãe, três filhas e uma tia.

Foi a partir daquele momento que nossa vida começou a ser diferente. Até então, era meu pai decidia tudo na casa em uma única voz de mando. Quando dali saiu, as relações da casa mudaram completamente. Não havia hierarquia, apenas respeito: as mais novas respeitavam as mais velhas na sua trajetória de vida e escolhas, na medida que as mais velhas orientavam as mais novas na medida do seu conhecimento e vivência. Quando havia algum problema, sentávamos à mesa para conversar e tomar uma decisão conjunta; se havia discordância, a mais velha e matriarca intervinha por nós. Não éramos obrigadas a agradar ninguém, e pensar coletivamente era uma premissa de convivência.

Todas cuidávamos de todas.

E assim foi, uma a uma e no seu tempo, saiu de casa e seguiu sua trajetória; nada foi imposto, tudo foi escolhido. Houve quem quis casar e constituir família, houve quem foi trabalhar cedo, quem foi morar fora do país sozinha, quem estudou até alcançar um doutorado; escolhas erradas se fizeram e acertos posteriores também apareceram, e toda conquista foi comemorada e toda derrota foi apoiada, para que novos passos fossem dados e novas tentativas realizadas.

No feminismo chamamos essa história de sororidade. Ela acontece quando as mulheres se apoiam para, juntas, alcançarem algo que será bom para todas elas. O que beneficia uma, beneficiará a todas. E é assim que o feminismo se constrói e faz parte do nosso cotidiano. A gente pode chamar essas relações do que quiser, mas lá dentro de nós, o que vale mais é a intenção de se ajudar. Uma puxa a outra, e juntas construímos uma grande ciranda. Afinal, no feminismo, ninguém solta a mão de ninguém, a não ser que assim deseje.

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Apresentadora e produtora do Olhares Podcast, é também mestranda em Direitos Humanos, pesquisadora e consultora em gênero e diversidade, palestrante e advogada.