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Cuidados à mulher em situações de violência – Parte 01

19 de novembro de 2020

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Cuidados à mulher em situações de violência – Parte 01

No texto dessa quinzena abordo um tema difícil, mas necessário: cuidados à mulher em situação de violência. Você sabe o que fazer numa situação dessas?

Eu havia me prometido que tentaria escrever sobre temas mais informativos e leves. A ideia era tentar falar sobre o meu conhecimento jurídico e conseguir ajudar outras pessoas nessa área, muitas vezes temida e considerada difícil. Mas, fui surpreendida pelo cotidiano e após pensar um pouco, conversar com as pessoas, percebi que podia contribuir escrevendo um pouco sobre cuidados com mulheres vítimas de violência de gênero ou familiar/doméstica.

Se você estranhou a menção a 02 formas de violência, é importante que eu diga que violência de gênero é diferente de violência familiar ou doméstica. O Olhares já falou sobre isso nos episódios 04 e 18, que eu sugiro muito ouvir, mas, pra deixar aqui registrado: violência de gênero contra a mulher tem um conceito no art. 1º, § 1º, da Lei n. 10.778/2003 e significa todo comportamento, ativo ou passivo, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher e que seja baseado no gênero, inclusive decorrente de discriminação ou desigualdade étnica. A violência doméstica ou familiar também produz morte, lesão física, sexual, material ou psicológica à mulher, mas a sua prática acontece no âmbito da unidade doméstica, da família ou em relações íntimas de afeto e isso está no art. 5º da Lei Maria da Penha.

Tentando resumir, eu diria que a violência de gênero é uma categoria ou grupo mais amplo, e uma das formas é a violência doméstica ou familiar.

O fato de essas violências serem crimes faz com que seja difícil imaginar outros lugares e espaços em que a mulher possa ser cuidada. Ficamos sempre com a ideia de delegacias e polícias envolvidas, o que, de um lado, é amedrontador e cria obstáculos para que as mulheres denunciem oficialmente os agressores, e, de outro lado, torna o agressor o foco central da violência.

A pessoa que pratica um crime tem que ter garantido o seu direito à defesa, o direito a ser ouvido e o direito a um julgamento justo. Mas essa pessoa é apenas uma das partes dessa complexa situação de violência, e olhar apenas para quem é agressor faz com a pessoa que sofre a violência vá desaparecendo, a tal ponto, que ela parece um pequeno detalhe de toda a história. O problema é que todo o desenrolar começa porque a mulher foi vítima de uma violência….

Como então prestar atenção e cuidar dessa mulher?

No artigo da próxima quinzena eu irei escrever sobre a violência de gênero na justiça, falando tanto de processos cíveis, como alimentos e divórcio, como também da responsabilização penal do agressor. Nesse texto aqui eu quero chamar a atenção para outros serviços que são importantes para o cuidado da mulher.

Além das instituições do sistema de justiça, como o judiciário, ministério público, defensoria pública e polícia, existem 03 outros serviços no enfrentamento à violência de gênero: saúde, assistência social e educação.

Especialmente saúde e assistência social têm papeis muito relevantes em violência, porque podem ser os primeiros “canais” que ficam sabendo da prática da violência e também porque irão prestar os cuidados imediatos ou continuados à mulher.

Isso acontece porque a mulher pode procurar os serviços de saúde e de assistência para ser atendida. Pode ser o postinho, a unidade de saúde perto de casa, o hospital, a clínica da família, a equipe de atendimento à família, o CRAS, o CREAS, enfim, qualquer unidade de saúde ou assistência social.

Uma vez que a mulher procure a saúde ou a assistência social, eles irão seguir os procedimentos éticos de cada uma das suas profissões e oferecer os cuidados que se fazem necessários. Mas existem algumas regras no Decreto n. 7.958/2013, que cria diretrizes para atendimento de vítimas de violência, e que podem nos ajudar. São elas:

  1. Atendimento humanizado, com respeito à dignidade da pessoa, sem discriminação;
  2. Respeito ao sigilo e à privacidade;
  3. Existência de espaço seguro e privado para a escuta e o atendimento;
  4. Informação à mulher sobre etapas dos atendimentos e a importância das condutas médicas, multiprofissionais e policiais;
  5. Informação sobre o respeito da decisão da mulher;
  6. Orientação sobre cuidados de si, sobre seus direitos e sobre os locais para atendimento.

Esse decreto inspira um guia de orientações gerais da Fiocruz e a Norma Técnica de Atenção Humanizada às Pessoas em situação de violência sexual dos Ministérios da Saúde e Justiça, que guiam vários profissionais das áreas de saúde, como médicos, médicas e profissionais da enfermagem, por exemplo.

Algumas das regrinhas desses manuais podem ser usadas por todos nós ao ficarmos sabendo que alguma mulher com quem convivemos foi vítima de violência:

  1. Ouvir e escutar sem pré-julgamentos e imposição de valores;
  2. Aceitar as diferenças;
  3. Entender a dificuldade do momento;
  4. Permitir que a mulher fale sobre seus sentimentos;
  5. Respeitar a decisão da mulher;
  6. Respeitar e assegurar o sigilo e privacidade da mulher;
  7. Ajudar para que ela seja atendida pelos profissionais que sejam necessários

O que eu considero importante

Se eu tivesse que escolher os 3 comportamentos mais importantes da lista acima, seriam: OUVIR, mas ouvir de verdade, entendendo que a sua opinião não é mais importante para prevalecer sobre a da pessoa que está dizendo que foi vítima de violência; RESPEITAR as decisões da mulher; ajudar a mulher a procurar serviços de apoio.

Falo isso do ponto de vista pessoal. Se eu “ligar” o meu modo de defensora pública, eu incluiria também o encaminhamento para autoridades policiais em razão do crime e fazer as ações judiciais, mas sobre esses temas, eu deixo para a próxima quinzena.

E você, nos conta: você sabia o que fazer para ajudar uma pessoa vítima de violência? O que você considera importante?

Doutora em Direito Civil, Professora de Direito Civil na FGV Direito Rio, Defensora Pública no RJ, Mulher negra, feminista, cisgênero.