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Cuidados à mulher em situações de violência – Parte 02

24 de março de 2021

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Cuidados à mulher em situações de violência – Parte 02

Damos sequência aos cuidados à mulher vítima de violência, dessa vez refletindo quais são as possibilidades de atendimentos na Justiça, tanto criminais como cíveis.

Eu queria cumprir uma promessa e retomar um tema que dividi em 02 partes aqui na coluna: em 2020, escrevi sobre a importância da saúde e da assistência social na atenção e cuidado a mulheres vítima de violência. Chamei a atenção sobre o ouvir, o escutar, permitir que a mulher fale sobre seus sentimentos, desejos e dificuldades e também sobre respeitar as decisões dela.

Nessa segunda parte o foco será os cuidados à mulher em processos na justiça.

Em caso de crime

Quando estamos diante de um crime praticado em razão de violência de gênero ou doméstica, uma importante medida é a comunicação à polícia. Ao buscar atendimento policial, será iniciado um inquérito policial que serve para buscar elementos concretos sobre quem praticou o crime e também sobre elementos que mostrem que ele aconteceu.

Um exemplo de provas da prática do crime são exames periciais, como o exame de corpo de delito, que serve para detectar vestígios do crime. Esse exame é bastante importante em lesões corporais físicas, que são crimes que deixam marcar sobre o corpo da pessoa.

Medidas que podem ser adotadas

Mas, diante de crimes de violência doméstica ou de gênero, a Lei Maria da Penha exige que sejam adotadas outras medidas: a principal delas é que a própria polícia peça ao Judiciário medidas de proteção para oferecer cuidado urgente e imediato à mulher.

Algumas dessas medidas de proteção são bastante conhecidas, ao menos de nome: proibição de contato e ordem de afastamento. A proibição de contato significa que o agressor pode ser obrigado a não manter contato com a mulher (presencial, telefone, email, SMS, Whatsapp nem por nenhum outro meio) nem mesmo usar filhos ou filhas ou outros parentes para manter a aproximação, enquanto a ordem de afastamento assegura que o agressor fique a uma distância mínima da mulher para garantir a ela segurança física e emocional.

Quando há filhos no meio do conflito

Um caso difícil acontece quando o casal teve filhos em comum e é preciso manter a convivência do pai com os filhos ou filhas. Uma solução é pedir para que outra pessoa seja um intermediário no lugar da mulher nesse contato pai-filhos(as), mas é uma solução que está bem longe de ser perfeita.

Outras medidas que podem ser pedidas pela Delegacia de Polícia são a suspensão ou restrição da posse ou porte de armas, afastamento do lar, acompanhamento psicológico do agressor e da mulher, divórcio e alimentos provisórios.

Mas a decisão é do juiz ou da juíza

É o juiz ou a juíza quem decide quais medidas são adequadas, depois de analisar tudo que está no inquérito e depois de ouvir o Ministério Público. Nesse momento, ainda não se tem certeza do que aconteceu e por essa razão a decisão do juiz ou juíza é tomada para reduzir os riscos de novas violências.

A partir daí, o Ministério Público deverá decidir se realmente há provas de que houve um crime e deverá oferecer denúncia, que é a acusação formal. Uma vez feita a denúncia, o agressor terá direito a um primeiro momento de defesa e depois serão produzidas provas para determinar se houve ou não o crime e, terminadas as provas, será feita uma sentença que decidirá sobre a prática de crime ou não.

Durante todo o processo a mulher tem direito ao acompanhamento por advogado ou advogada, ou defensor ou defensora pública.

E, por decisão recente do STF, foi decidido que em processos do Tribunal do Júri, que julgam crimes dolosos contra a vida, não será mais possível argumentar “legítima defesa da honra” como defesa pela prática de crime. Sobre esse tema, eu escrevi aqui também no Olhares.

Em outros processos

Além de crime, uma violência também pode ser tema de processos de família ou cíveis, especialmente de responsabilidade civil.

O juiz da violência doméstica tem permissão legal para decidir sobre temas de direito de família, como divórcio, guarda e alimentos, mas é possível também que se proponha um processo específico na vara de família.

Em relação ao divórcio a violência não tem muita importância, pois esse é um direito que basta que a pessoa tenha interesse e que deverá ser decretado. A “culpa” não muda esse direito em favor de ninguém.

Nas decisões sobre guarda é diferente

Mas principalmente das decisões sobre guarda de filhos a violência deve ser considerada para a decisão: a convivência de um pai agressor é benéfica ao desenvolvimento de uma criança? A Lei Maria da Penha assegura a possibilidade de afastamento do direito do pai à convivência do filho se essa medida contribuir para a redução da violência e for do interesse da criança. E também encontramos algo similar no Código Civil, que, aliás, possibilita até a perda do poder familiar (que seria algo como a perda da condição de pai) caso aconteça a prática de:

(a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher;

(b) estupro ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão contra a mãe ou contra filho, filha ou outro descendente.

Ou seja, existe uma pressuposição da lei de que um homem violento não é capaz de promover um bom cuidado aos filhos, nem criar um ambiente adequado para o bom desenvolvimento infantil e no seu melhor interesse.

Para encerrar, além dos episódios do Olhares, eu recomendaria o episódio de “Direito das mulheres: avanços e retrocessos na história do Brasil” do HistóriaFM que também trata do assunto.

Doutora em Direito Civil, Professora de Direito Civil na FGV Direito Rio, Defensora Pública no RJ, Mulher negra, feminista, cisgênero.