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E os outros onze meses?

12 de julho de 2021

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E os outros onze meses?

Olá caros leitores, nesse frio de inverno escrevo para dizer que sobrevivemos ao mês de junho, também conhecido como o mês de combate a LGBTQIAPfobia. Aquele mês que parece que todos se lembram da importância de respeitar e cuidar de pessoas LGBTQIAP+.

Desde empresas a clubes de futebol, foram feitas ações para marcar o mês. Infelizmente nem tudo são flores, aliás a maior parte das vivências de pessoas l LGBTQIAP+ está longe de ter algum glamour. Em apenas uma semana tivemos uma travesti assassinada, outra brutalmente queimada, e uma sequestrada e obrigada a transar com cachorros.

Para além das agressões físicas, vão ficar para sempre sequelas psicológicas, caso sobrevivam. É duro pensar que estes casos são mais comuns que se imagina. É mais duro pensar que a vivência e existência dessas pessoas não vale nada. Ao contrário do que diz uma escritora famosa, a nenhuma dessas mulheres cruelmente agredidas foi perguntado se elas tiveram “socialização masculina”.

A nenhuma delas sequer foi dado o direito de se defender. Quando se ataca cruelmente uma pessoa transgênero/travesti, estão dando um recado claro. Estão dizendo que nossas vidas não importam, estão dizendo que sequer temos o direito de viver.

EXISTÊNCIA

Quando se olha para uma pessoa trans não passável como eu, o sentimento de repulsa é latente, quando se olha pra pessoas como eu, a zombaria e falta de respeito está explícita. Quando falo de vivência de pessoas trans é sobre o que passamos.

Ser obrigada a reclamar com uma supervisora de um laboratório, cujo atendente insistentemente me tratava no masculino, mesmo eu o corrigindo várias vezes é constrangedor. Não deveria ser obrigada a começar o dia com esse tipo de agressão.

Já comentei que sou privilegiada por vários motivos, sou branca, classe média, posso me dar ao luxo de reclamar, de uma forma que possa ser ouvida. Infelizmente muitas vezes resta apenas o grito e a revolta. Quando surgiu o meme que “travesti não é bagunça” foi um desses casos. Infelizmente a dor e angústia de não ter sua existência validada só nós sentimos.

Não importa se dou entrevistas para jornais, podcasts ou sites. Não importa se tenho alguma visibilidade virtual, se sou chamada para ações contra homofobia. No fim do dia a sombra e os medos são iguais os de qualquer pessoa que diariamente tem seus direitos atacados e sua existência posta em cheque.

Fabris Martins, mulher trans, publicitária, designer e podcaster.