Cultura e Feminismo Mulheres Podcasters

Entrevista: Branca Vianna

14 de dezembro de 2018

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Entrevista: Branca Vianna

Qual é o melhor podcast de 2018?

O Itunes publicou neste mês de dezembro a lista dos melhores podcasts do Brasil em 2018. Dentre os 9 escolhidos, 3 podcasts com mulheres no elenco fixo: Maria Vai com as Outras, Imagina Juntas e Mamilos, o que representa 33% dos podcasts da lista.

A plataforma ainda publicou a lista dos programas mais baixados de 2018. De uma lista de 25 podcasts, o único podcast produzido por mulheres é o Mamilos. E da lista de programas lançados em 2018 e mais baixados, se destacaram o Histórias de Ninar para Garotas Rebeldes, Bumbumcast, Hodor Cavalo e Conversas do Despertar, sendo os dois últimos, desdobramentos de um trabalho já existente no Youtube.

Esta lista vai na linha da 4ª edição da podpesquisa publicada em setembro de 2018, no Dia Do Podcast, a qual demonstrou que nós Mulheres Podcasters estamos aparecendo na mídia. Na última pesquisa, realizada em 2014, sequer éramos consideradas.

O crescimento da adesão de mulheres na mídia faz parte da persistência das produtoras e do potencial das mulheres podcasters. Na condição de ouvintes, por mais que nós ainda sejamos uma fatia pequena na estatística, é perceptível que as produtoras fazem parte dessa onda de mudança na podosfera – mulher gosta de ouvir mulher.

Nesse sentido, conversamos com Branca Vianna, a voz por trás do podcast Maria vai com as Outras, da Revista Piauí, que nos trouxe uma importante visão a respeito do seu posicionamento a respeito da mídia.

Olhares – Poderia nos dizer como a sua carreira como jornalista te influencia na produção do Maria Vai Com as Outras?

Branca – Na verdade não sou jornalista. Fui intérprete simultânea durante 28 anos, sou formada em letras, com mestrado em linguística e em formação de intérpretes de conferência. Trabalhei a vida toda nessa área de interpretação simultânea, como intérprete e como professora no Curso de Formação de Intérpretes da PUC-Rio.
Escrevo ocasionalmente para a revista piauí, em geral matérias sobre línguas e linguística, como por exemplo a matéria O Contrário da Memória, sobre nheengatu, a última matéria grande que fiz para a revista. O Maria Vai com as Outras é minha primeira experiência como entrevistadora.

Olhares – Como foi pensada a escolha da temática de mulheres e o mercado de trabalho? Como foram escolhidas as mulheres para participar dos episódios?

A Paula Scarpin, diretora do programa, e eu, ambas fanáticas dos podcasts, vendo este movimento feminista atual, muito jovem, forte e vibrante, tratando de questões fundamentais para as mulheres, como assédio, direitos reprodutivos, discriminação contra mulheres negras e violência contra a mulher, chegamos à conclusão de que valia à pena acrescentar mais um tema ao debate: a mulher no mercado de trabalho.  Hoje no Brasil 40% das famílias são chefiadas por mulheres. Elas ganham 25% menos que os homens, e isso portanto tem consequência na renda de quase metade das famílias brasileiras.

Hoje no Brasil 40% das famílias são chefiadas por mulheres. Elas ganham 25% menos que os homens, e isso portanto tem consequência na renda de quase metade das famílias brasileiras.

As entrevistadas foram escolhidas por área de atuação, e com a colaboração de toda a equipe do programa e de amigos e família, que sugeriam nomes. Por exemplo, para o episódio da saúde queríamos entrevistar uma mulher que atuasse em uma área muito masculina e outra que atuasse em uma área muito feminina, mas não tínhamos, a priori, uma ideia clara de quais seriam essas áreas. Depois de pesquisarmos quantas mulheres havia em cada campo da medicina, encontramos duas mulheres incríveis, uma neurocirurgiã (5% de mulheres) e uma enfermeira (85% de mulheres). O processo foi semelhante nos outros episódios. Toda a temporada exigiu muita pesquisa e muita busca.

Olhares – Você acredita que seu podcast ajuda ou pode ajudar no empoderamento de mulheres, online e offline?

Não acho  que um podcast possa mudar alguma coisa, online ou offline. Não criamos o MVCO com isso em mente. Acho que criamos o programa porque nós mesmas queríamos debater o assunto da mulher que trabalha e das escolhas que ela precisa fazer: casar-se ou não, ter ou não filhos, priorizar a família ou a carreira, enfrentar ou aceitar a discriminação e o assédio na vida profissional e outras questões com que todas nós lidamos. Também a divisão sexual do trabalho, de que tratamos no último episódio com a Rosiska Darcy de Oliveira, nos parecia fundamental. Queríamos conversar com mulheres diferentes para conhecer e tentar entender como é a vida delas. É o que vamos continuar a fazer nas próximas temporadas, que terão tópicos diferentes. A primeira foi profissões, a segunda abordará a questão de outro ponto de vista, a ser revelado em breve.

Olhares – Recentemente, a ABPOD divulgou que os homens são hoje cerca de 90% dos produtores de podcasts. O que você acha que eles podem fazer, caso queiram apoiar essa causa, para aumentar a quantidade de mulheres ouvindo e produzindo podcasts, até que essa porcentagem seja mais equilibrada?
 
Como disse a jornalista Hanna Rosin, do podcast The Waves, da revista Slate, no Festival Piauí Globonews de Jornalismo: os homens podem  ajudar contratando mulheres, não assediando-as quando as contratarem, promovendo e não discriminando suas funcionárias e colegas. Basicamente tratando-as como iguais, como tratariam um homem na mesma posição. Já seria uma grande ajuda, no mundo dos podcasts ou em qualquer outro lugar.

Olhares – Você se identifica como feminista? Como isso afeta sua produção de conteúdo?

Sim, sou feminista. Isso afeta o conteúdo do MVCO em todos os sentidos. Desde a ideia de cria-lo, até a forma como conduzo as entrevistas, como tento entender minhas convidadas, como faço a pesquisa, como me informo, como levo minha vida. Não há separação entre o que faço, no Maria ou em qualquer outra área de atuação, e o meu feminismo.

Minha mãe, Branca Moreira Alves, é feminista desde os anos 70, foi uma das fundadoras do movimento no Brasil. Eu cresci feminista, convivendo com mulheres como a minha mãe e a Rosiska desde criança. Vejo como para mim é mais fácil ser feminista do que para as minhas entrevistadas, que não cresceram assim. Acho isso normal e penso sempre nisso quando estou conversando com elas. Cada uma tem os seus limites e age e pensa de acordo com suas experiências, sua família, seus relacionamentos com os homens ao longo da vida. Acho fundamental que todas tentemos entender o ponto de vista umas das outras, feministas ou não.
Acho que ajudaria muito o movimento feminista se pudéssemos ser mais inclusivas das mulheres que não conseguem, com a mesma facilidade que eu, por exemplo, se dizerem feministas.

Depois de conversar com Branca e refletir a respeito de Mulheres no mercado de trabalho que é a podosfera (sim, nós do Olhares consideramos que podcast é trabalho), refletimos a um pouco mais a respeito da pesquisa ABPOD e da lista da Itunes.
Algo que se percebe com clareza nesta lista é que, além do protagonismo, há uma dificuldade grande para as mulheres se destacarem de forma independente. Não estamos querendo tirar o êxito dos programas ou questionar o profissionalismo das mulheres que produzem estes conteúdos, longe disso.
Mas, analisando friamente, surge uma dúvida: se estas mulheres não tivessem o amparo de plataformas de comunicação consolidadas, será que o êxito nos downloads seria tão rápido ou seria este mesmo um reflexo da mudança de público e crescimento de mulheres ouvindo podcasts? Dos programas citados, apenas o Mamilos possui mais de dois anos de estrada na podosfera e nenhum deles é realizado de forma totalmente independente de qualquer portal, rede de comunicação ou canal de youtube.

Ou seria mesmo uma mudança da forma de pensar dos grandes produtores de conteúdo? Fica para vocês essa reflexão.

Apresentadora e produtora do Olhares Podcast, é também mestranda em Direitos Humanos, pesquisadora e consultora em gênero e diversidade, palestrante e advogada.