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Nome e casamento

8 de julho de 2019

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Nome e casamento

Se você chegou pela primeira vez a essa coluna, quero dizer que o objetivo dela é fazer uma leitura crítica do Direito diante do feminismo e dos direitos das mulheres. Mas hoje eu preciso falar um pouquinho mais sobre leis para, assim, transmitir uma opinião.

Tentarei não ser enfadonha. Prometo! Depois nos diga o que achou e comprove que fui honesta! rs

Como o título já adianta, essa coluna irá abordar a mudança de nome em razão do casamento ou união estável, ou, ainda, pelo término dessa relação.

Bem, quero começar a partir do Código Civil de 1916, primeiro da sua importância; segundo, sua relação com o tema.

Um código civil é importante porque ele estabelece as regras que precisam ser seguidas nos temais mais comuns da vida da pessoa, como, por exemplo, o seu nascimento, o momento em que a pessoa adquire direitos, o momento em que ela é considerada morta e os efeitos da morte para o Direito, estabelecer regras para a realização de contratos, obrigações em geral, como responsabilizar algum por um dano praticado contra uma pessoa, casamentos, relações entre pais, mães e seus filhos ou filhas e muitas outras coisas do nosso cotidiano. Pode não parecer, mas o código civil está ali, cuidando de como o Direito prevê, orienta e determina as consequências perante o Direito das nossas vidas.

O primeiro Código Civil da nossa República foi o aprovado em 1916 pelo Congresso, mas, na verdade, ele tem início em 1900. Sim, foram 16 anos de debates sobre o conteúdo dele. Mas em 1916 ele foi aprovado e “começou a valer” em 1917.

Agora, tentem pensar em como era a sociedade brasileira daquela época, como era a lei que tratava do casamento e como a mulher era retratada no casamento. Para ajudar, deixo alguns dados: em 1900, o Brasil tinha cerca de 17 milhões de habitantes, que subiria para 51 milhões em 1950, sendo que, desses 51 milhões, 33 milhões moravam em área rural e 18 milhões em áreas urbanas. Em 2010, o Brasil contava com 190 milhões de habitantes, sendo 160 milhões em áreas urbanas.

Só mais uma informação: em 1950, a participação feminina no mercado de trabalho era de cerca de 9%.

Imaginaram?

Acredito que não há nenhuma novidade no que irei descrever: uma sociedade essencialmente rural e patriarcal em que o homem era o “chefe” no casamento e a mulher se subordinava a ele. Essa realidade era exatamente a que se expressava no Código Civil de 1916 e que regia toda a vida das pessoas. Exemplo? De acordo com o Código Civil de 1916, a mulher casada era relativamente incapaz (art. 6º, inciso II), o que significava que ela precisava da autorização do marido para qualquer coisa que não fosse o cuidado normal da casa. Até para trabalhar, a mulher precisava de autorização do seu esposo.

No casamento, em relação ao nome, o Código Civil determinava que, ao casar, a mulher assumiria o sobrenome do marido (art. 240); e se fosse condenada em ação de desquite (a separação, originalmente), a mulher perdia direito ao nome (art. 324).

O motivo que obrigava mulheres a adotar o sobrenome do marido é bem simples: a mulher pertencia ao homem ao se casar e a forma de demonstrar isso era com a adoção do mesmo sobrenome. Pensem na cerimônia religiosa tradicional de casamento: a mulher entra de braços dados com o pai e é entregue, por ele, ao futuro marido, a quem caberá cuidá-la. E isso justifica que a mulher adote o sobrenome do marido ao se casar, justificando a passagem da família de origem para a família do marido.

É interessante observar que outras leis até 1988 mantiveram essa mesma ideia de (1) hierarquia da mulher casada ao seu marido e, consequentemente, (2) a obrigatoriedade da mulher casada em adotar o sobrenome do marido.

Vamos às provas: (1) a Lei n. 4.121/1962, também conhecida como Estatuto da Mulher Casada, apesar das intenções de buscar uma equalização dos direitos da mulher casada diante dos homens, manteve a obrigação de a mulher assumir “com o casamento, os apelidos [sobrenome] do marido”; (2) a Lei n. 6.015/1973, a Lei de Registros Públicos, aplicável até hoje, no art. 71, item 8º, prevê que o registro de casamento deve conter “o nome, que passa a ter a mulher, em virtude do casamento”; e, (3) a Lei do Divórcio, Lei n. 6.515/1977, tem o art. 17 que diz que “vencida na ação de separação judicial, voltará a mulher a usar o nome de solteira”.

Só com a Constituição da República de 1988 e a igualdade entre homem e mulher é que conseguimos, mudando a interpretação sobre o Código Civil de 1916 (sem mudar o texto escrito), entender que homens e mulheres podem alterar seus nomes em razão do casamento e da união estável.

 Mas, considerando que 1988 está há apenas 31 anos atrás, em comparação a uma construção jurídica que vem desde a colonização do Brasil por Portugal e a adoção das leis portuguesas a partir de 1500, é possível entender porque ainda ouvimos algumas ideias que não são mais verdadeiras….

A verdade é que desde 1988 com a Constituição atual homens e mulheres, por serem iguais perante o direito, tem a possibilidade um e outra de alterarem os seus nomes ao se casarem ou iniciarem união estável. E isso ficou bem claro no atual Código Civil, aprovado em 2002 e com efeitos a partir de 10 de janeiro de 2003, quando diz no art. 1.565 que “qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro”. Mas deixo claro que desde 1988 essa possibilidade já existia!

Ainda assim, e agora falo sobre escutas do dia-a-dia, ainda tem muita gente que acha que a mulher tem que aceitar o nome do marido ao casar e que tem que deixar de usar o nome do marido ao se separar ou se divorciar.

NÃO!!!!!!!!!!

NÃO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Simplesmente, não!

Hoje, tanto homens como mulheres podem decidir usar o nome do|a seu|sua cônjuge ou companheiro|a ao iniciar uma relação. E, mais importante: ao terminar a relação, ninguém é obrigado|a a parar de usar o sobrenome que passou a usar com a união.

– Professora, a mulher tem que “devolver” o nome do marido ao se divorciar, certo?

– Não! O nome é dela. É direito de personalidade

– Mas como assim, professora?

– Ué, nome é como ela se identifica. É como ela se conhece e é conhecida. Ela deixa de usar se quiser.

(diálogo em uma aula sobre direito de família)

Mas, Elisa, como assim a pessoa mantém o nome do outro?

Eu quis colocar esse pedaço de conversa de propósito, porque a tendência é achar que o nome é do|a outro|a. Mas nome é, na verdade, na mais pura verdade, de cada um de nós. É como nós sabemos quem somos para nós mesmos e para a sociedade.

Por isso, peço um voto de confiança: você só muda o nome ao estar num casamento ou união estável ou, se um deles terminar, se você quiser. A decisão do nome que você vai usar é só sua, porque é você quem decide quem você é.

Doutora em Direito Civil, Professora de Direito Civil na FGV Direito Rio, Defensora Pública no RJ, Mulher negra, feminista, cisgênero.