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A luta do feminismo vai além do mês de março

8 de abril de 2019

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A luta do feminismo vai além do mês de março

O mês de março é conhecido pelo turbilhão de eventos e demandas que giram em torno dos direitos das mulheres. Muitas mulheres se percebem feministas neste mês tão importante, marcado pela percepção e celebração de uma série de direitos das mulheres ao longo da história.

Celebrado em 8 de março, o Dia internacional da mulher tem origem dupla, em manifestações russas e estadunidenses, que clamavam por mais igualdade política e trabalhista, respectivamente. A data foi oficializada pela Organização das Nações Unidas em 1975, através de um decreto, quase 80 anos depois das primeiras reclamações das mulheres.

Saiba mais sobre o 8 de março em nosso episódio #01 Dia Internacional da Mulher

Essa fixação da data já demonstra por si só a dificuldade de nós, mulheres, conseguirmos trazer os nossos olhares para a luta feminista. Em 2019 não é diferente. Apesar de já termos conseguido diversos direitos ao longo da história, março celebra estes direitos, inaugura novos e traz à tona tantos outros que lutamos há um século para conseguir.

Chega a ser curioso que até este ano o casamento infantil fosse permitido no nosso ordenamento jurídico. Só em 2019 as mulheres e organizações que protegem crianças e adolescentes conseguiram a exclusão de permissões ao casamento infantil no Código Civil. Mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente trazem mais responsabilidade para o Estado na prevenção da gravidez infantil (resultado da proibição do casamento).

Ao contrário do que normalmente ocorria em anos anteriores, o Congresso não brindou o movimento feminista com nenhuma lei neste 8 de março, mas houve uma movimentação interna para que projetos fossem reunidos e aprovados em cada casa (Câmara ou Senado) nesta data, talvez num movimento político para demonstrar que as pautas das mulheres estão sendo atendidas, pelo menos neste período. Medalhas também foram entregues às mulheres consideradas símbolos de luta feminista e política, demonstrando que nós estamos atuando por diversas frentes para garantir nossos direitos: não só no palanque, mas também na pesquisa.

Mas nossas demandas não acabam com o fim do mês de março, há muitas coisas a mudar que são objeto da resistência ao retrocesso em todos os espaços que precisamos ocupar.

Começando pelas nossas diferenças, o mês de março, pelo acúmulo de um ano de demandas, traz sempre à tona uma profunda discussão sobre cada questão feminina, cada dificuldade relacionada a uma realidade específica. Nós, mulheres, não somos iguais, temos demandas diferentes de acordo com a nossa história individual e a realidade que nos cerca. Tendo o Brasil dimensões continentais, essas diferenças se tornam ainda maiores, porque nosso país conta com as mais diversas culturas, realidades sociais e financeiras em cada região e com suas demandas específicas. Reconhecer a existência dessas outras camadas que também oprimem as mulheres de classes mais baixas, negras, indígenas, quilombolas, com algum transtorno ou deficiência, trans, lésbicas e bissexuais é o primeiro passo para alcançar mais direitos para mulheres.

Com base nessas diferenças, o segundo passo é melhorar a forma como discutimos os preconceitos. Isso influencia diretamente na nossa cultura e na forma como acolhemos mulheres na nossa sociedade e traz à tona modos de agir que precisamos problematizar diariamente, especialmente em relação ao racismo, LGBTfobia, Transfobia, gordofobia, capacitismo e misoginia. É reconhecer dentro de nós a existência desses preconceitos e discutir profundamente políticas de exclusão às mulheres que não atendam exigências estéticas e comportamentais “esperadas” por uma sociedade ditada por homens. Como fazemos isso? Abrindo espaço e valorizando suas falas e protagonismo, sem julgamentos, para que estas mulheres apareçam, falem, estejam presentes e denunciem.

Escute a voz das mulheres bissexuais e lésbicas e mulheres trans, e descubra do que estamos falando.

Neste mês de março a Câmara aprovou um projeto que torna crime o assédio moral no trabalho. Este projeto tem um caráter interessante quando se percebe que o agressor não poderá se liberar dessa responsabilidade com uma pena substitutiva que não tenha caráter reparador. O assédio hoje é o maior problema das empresas em relação às mulheres e sua criminalização é o primeiro passo para o alcance de igualdades reais no ambiente de trabalho. Esse enfrentamento é essencial para que mulheres não sejam julgadas nestes ambientes simplesmente por serem mulheres, o que promove um maior empoderamento, já que garante a busca da justiça pelas próprias mulheres nesses espaços.

Em março dois pontos da luta das mulheres retornam com força à discussão. O primeiro discute a autonomia sexual da mulher. Este é o ponto mais controvertido da luta feminista, porque há discórdia entre homens e mulheres e entre mulheres e mulheres. Esta desavença tem razões moralistas e religiosas, que sustentam que a mulher não poderá ter o controle sexual de sua vida. Temas como gravidez compulsória, aborto, esterilização, prazer, educação sexual, estupro conjugal, saúde física, mental e sexual da mulher, que extrapolem a questão biológica geram inúmeros tumultos argumentativos. Ainda estamos longe de alcançar muitos desses direitos e há um século seguimos lutando e conseguindo algumas migalhas jurídicas a duras penas.

Outro ponto que desde 2006 tem ganhado força é a questão da violência contra a mulher. Este é um tema muito caro que merece um texto só para discuti-lo, mas tentarei introduzi-lo em algumas linhas. O Brasil luta contra a violência doméstica e a violência contra a mulher de uma forma que mais se preocupa em punir do que resolver as raízes profundas. O resultado disso são projetos de leis que afastam agressores da sociedade ou determinam divórcio imediato em casos de violência. Não há projetos que discutam masculinidades, revisão de obrigações domésticas ou ensino nas escolas. Discutir a verdadeira causa da violência doméstica é o primeiro plano de ação para definir melhores políticas de acolhimento e prevenção.

O Brasil está cada vez mais distante das diretrizes internacionais

A política brasileira busca soluções imediatas para os índices que lhe assombram quanto às desigualdades de gênero. O Brasil se afasta de Organizações Internacionais que lhe cobram ação, porque sabem que suas políticas não estão melhorando estes números. E daí vem o porquê do feminismo precisar ir além de março. Vamos ficar paradas esperando o próximo ano? Este é o primeiro ano de um governo que já demonstra a que veio: uma política conservadora que oprime as mulheres e pune, sem garantia de ressocialização.

Não é possível discutir direitos sem eleger mulheres: precisamos de mais vereadoras, deputadas, senadoras, prefeitas e governadoras. São elas que levam nossas questões para o debate em forma de lei, alcançando mulheres em nível nacional, porque são delas os pontos de vista da invisibilidade. Somente será possível garantir que as leis sejam efetivas se consiguirmos colocar estas mulheres lá dentro, pelo menos uma representante de cada Estado, que possam levar questões locais, e mais mulheres de origem pobre, de povos tradicionais, com demandas específicas. Muitas vezes uma, duas ou três já são um incentivo para trazer novos olhares para outras mulheres, que possam aliar-se à sua causa.

Eu realmente espero que a violência não seja a única pauta que une mulheres de frentes políticas diversas no nosso Congresso, mas que seja a força motriz que faça com que elas se unam para outras pautas, porque o silenciamento neste espaço já é uma violência diária, não só no mês de março.

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Apresentadora e produtora do Olhares Podcast, é também mestranda em Direitos Humanos, pesquisadora e consultora em gênero e diversidade, palestrante e advogada.