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Precisamos falar sobre união estável – Parte 02

15 de julho de 2020

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Precisamos falar sobre união estável – Parte 02

No texto anterior dessa série, falamos sobre o que é a união estável e sua relação com os movimentos feministas. No texto de hoje, vamos explicar as consequências de se reconhecer uma relação como união estável.

Qual a importância em dizer que uma união de 02 pessoas pode ser chamada de união estável? Com certeza existe uma importância pessoal, e eu me arrisco a dizer que tem uma sensação de afeto, carinho, cuidado e pertencimento. Mas não é sobre os sentimentos pessoais que eu quero tratar.

Para o direito, reconhecer uma relação como união estável traz consequências importantes porque, em primeiro lugar, define essa relação como família (no sentido jurídico) e determina uma série de direitos e deveres para as pessoas que estão nessa união estável e que chamamos de companheiros ou companheiras.

Quais os efeitos da união estável no direito das famílias?

No direito das famílias, a união estável tem 04 principais consequências: parentesco, impedimentos matrimoniais, regime de bens e alimentos.

Em primeiro lugar, estar em união estável significa que a pessoa se torna parente dos parentes do seu companheiro ou companheira. A isso chamamos de parentesco por afinidade e está no art. 1.595 do Código Civil.

Existindo a união estável, a pessoa se torna parente dos ascendentes e descendentes da companheira ou companheiro. Na língua inglesa fica bem fácil de entender porque se usam as expressões mother-in-law, father-in-law, daughter-in law etc., que numa tradução literal seria mãe-pela-lei, pai-pela-lei e etc. E, importante, mesmo depois que termina a união estável, esse parentesco não acaba e é por isso que dizemos que nunca perdemos o vínculo com sogras, sogros, noras, genros, enteadas e enteados.

Ah, esse parentesco também se forma com os irmãos ou irmãs do companheiro ou companheira, mas esse sim, quando acaba a união estável, acaba o parentesco.

Saber que tem parentesco por afinidade é importante porque se conecta com a segunda consequência da união estável: impedimentos matrimoniais. O Código Civil proíbe o casamento entre pessoas que sejam parentes, e isso inclui os vínculos biológicos ou os civis, inclusive a afinidade. Por isso, uma pessoa nunca poderá se casar nem formar união estável com seu ex-sogro, ex-sogra, ex-nora, ex-genro, ex-enteada… Se tem parentesco, não pode ter nem casamento nem união estável.

Terceira das consequências é que havendo união estável o Direito exige algumas regras para regulamentar o patrimônio do casal. Chamamos isso de regime de bens. A regra, ou na falta de escolha, ele será o da comunhão parcial.

Dizer que um casal tem sua união estável em regime de bens da comunhão parcial significa dizer que tudo o que foi comprado durante a união estável pertence às 02 pessoas, mesmo que esteja no nome de 01 só delas. Mas não é só isso! Ganhos indenizatórios, ou, se a sorte ajudar, prêmio de loterias, também têm que ser divididos entre o casal porque fazem parte da comunhão.

Acho que vale um texto só para explicar regime de bens, não?! Anotem e cobrem!!

A quarta e última consequência da união estável é alimentos. Existindo união estável, existe o direito de os companheiros ou companheiras pedirem alimentos entre si, o que acontece principalmente quando ocorre uma separação. Mas, sobre o direito das mulheres à alimentos, eu recomendo esse texto aqui que escrevi em 2019 e segue atual e que tem o título: “Mulheres ainda precisam receber pensão?”.

Mas união estável só no direito das famílias ou tem outras consequências?

Além do direito das famílias, dizer que uma relação é uma união estável traz também direito à herança. O art. 1.829 do Código Civil diz como se organiza esse direito a herança e apesar de só estar escrito ali cônjuge, fazendo parecer que valeria só para pessoas casadas, em 2017 o STF definiu que esse artigo vale sim para a união estável.

Com isso, pessoas em união estável e em regime de comunhão parcial tem direito a herança sobre parte do patrimônio particular e exclusivo do companheiro ou companheira que faleceu quando tem ali descendentes ou ascendentes junto. Mas, se não tiver nem descendentes nem ascendentes, o companheiro ou companheira sobrevivente herda sozinha os bens que a pessoa tinha em vida.

E, por fim, união estável é importante para o direito previdenciário e permite o pagamento de benefícios da previdência, como, por exemplo, pensão por morte. Para quem é vinculado ao RGPS (INSS), isso está no art. 16, I, da Lei n. 8.213/1991.

E se não for união estável?

Talvez ao longo desse texto você tenha se perguntado: mas, e se não for união estável? Bem, se não for, não tem nenhum dos direitos nem consequências que citei aí em cima…

Uma relação entre pessoas que não podem ter união estável se chama, no direito, de concubinato. O nome é ruim e pejorativo, mas quer significar que são pessoas que não podem formar famílias conjugais entre si e, por conta disso, não terão os direitos que uma união estável permitida em lei tem. Não tem alimentos, nem regime de bens, nem nada.

E é por isso que se torna importante definir se as pessoas têm uma união pública, contínua, duradoura e com o objetivo de constituir família, porque se for, é união estável e o Direito vai ter algumas soluções para essas uniões.

Até a próxima quinzena.

Doutora em Direito Civil, Professora de Direito Civil na FGV Direito Rio, Defensora Pública no RJ, Mulher negra, feminista, cisgênero.