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Quinze anos depois, as Marias da Penha ainda são muitas

10 de agosto de 2021

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Quinze anos depois, as Marias da Penha ainda são muitas

Você certamente já ouviu falar em Maria da Penha Maia Fernandes, a mulher cearense que ficou paraplégica depois de ser vítima, por inúmeras vezes, de violência doméstica pelo ex-marido e pai de suas três filhas.

Maria da Penha dá nome à Lei 11.340/2006, a primeira que estabeleceu distinção de gênero na criminalização de atos de violência. No último dia sete de agosto essa lei completou 15 anos de vigência e o número de Marias vítimas de violência doméstica ainda se avoluma.

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020, foi feito o registro de agressão física contra uma mulher a cada dois minutos durante o ano de 2019. Foram computados 266.310 casos de lesão corporal dolosa em decorrência de violência doméstica, um crescimento de 5,2% em relação ao ano anterior. O mesmo documento aponta que 1.326 mulheres foram vítimas de feminicídio em 2019, um crescimento de 7,1% em comparação com o ano de 2018. Dentre as vítimas de feminicídio no Brasil em 2019, um total de 66,6% eram mulheres negras e 89,9% delas foram mortas pelo companheiro ou ex-companheiro.

 Os números nos fazem lembrar que precisamos refletir o cenário de violência doméstica para além do punitivismo. É necessário buscar rotas de saída repensando o contexto estrutural de desigualdade entre os gêneros que privilegia os homens e lhes confere força enquanto subjuga, reduz e marginaliza mulheres.

Criminalizar e punir os agressores não tem sido suficiente porque não repensamos e transformamos a estrutura social em que nos organizamos. Se continuarmos seguindo o modelo patriarcal, onde o centro são os homens e seus poderios ilimitados, seguiremos tendo mulheres massacradas, física e simbolicamente, em uma estrutura opressora e desigual.

É preciso modificar a ordem das coisas, construir uma sociedade onde os corpos das mulheres não sejam colocados em lugares de fragilidade, impotência, dependência e  submissão. Se queremos viver em um mundo onde a violência não nos atravesse, é preciso colocar os gêneros em linha de igualdade, e não dentro de relações de dominação.

Devemos lembrar sempre que a Lei Maria da Penha é conquista de uma mulher corajosa em se expor, das articulações dos movimentos feministas em combate à violência de gênero, mas também é uma condenação do Estado Brasileiro por omissão. Se a Lei hoje existe, é também porque o caso chegou à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (OEA), que considerou o Brasil omisso com a violência doméstica. Esse fato nos rememora que nosso papel enquanto sociedade civil também é sempre de provocar o estado em defesa da vida das mulheres.

O aniversário da Lei é oportunidade de colocar nossas vistas no futuro. Pensar na sociedade que queremos habitar e em quais são os caminhos e ferramentas para construção desse novo modo de existir. Garantir a integridade das mulheres é condição inegociável de uma sociedade mais igual, justa e fraterna. O caminho passa por garantir igualdade no tratamento entre os gêneros. Parece distante, mas eu, enquanto mulher feminista, estou disposta a trilhar o caminho buscando essa igualdade. Vamos juntes?

É uma mulher feminista latino-americana. É também jornalista, mestra e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará (UFC) pesquisando feminismos e redes sociais.