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Stand up: Nanette. Para rir, chorar e desconstruir o preconceito

20 de fevereiro de 2019

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Stand up: Nanette. Para rir, chorar e desconstruir o preconceito

Quando se pensa em stand up, logo vem à mente comediantes como Chris Rock, Seinfield entre outros. Os temas são sempre leves, que levam as pessoas a rirem e sair com uma sensação de leveza após o show. E vou avisar, já largo aqui um mega spoiler, esse não é o caso de Nanette, pois ela de uma forma contundente, consegue subverter a ordem estabelecida no princípio do show. Ela começa falando da família: a relação com a mãe como ela se tornou sua heroína, como a avó não sabe de sua orientação sexual apesar das evidências.

O tom autodepreciativo toma conta do espetáculo, um humor ácido ecoa pelo teatro, e todos riem talvez de nervoso, mas conseguem achar graça na forma como ela conta a história de vida. Sua história de auto aceitação está intimamente ligada com seu ambiente, como ela se sentia totalmente deslocada por ser uma mulher lésbica numa região da Austrália que considerava crime ser gay até 1997.

Ela ter um padrão considerado mais masculino criou situações que, contadas com humor, de alguma forma pode haver graça, e servir de alívio cômic­o. Muitas vezes foi questionada se era transgênero e também houve perguntas depreciativas. O excesso de honestidade faz o monólogo único, faz com que o expectador se coloque no lugar dela, bata palmas quando necessário. Sua provocação aos padrões permeia todo o espetáculo. Ela cita Bill Cosby, Harvey Weistein e toca na ferida dos casos de abuso sexual em Hollywood. Sua formação em história da arte é colocada em pauta quando cita Van Gogh e de sua loucura/genialidade e revela empatia pelos seus problemas mentais, não esquecendo de criticar sua misoginia. Ela desvela o simplismo do pensamento humano. O impacto maior vem quando em tom de revolta/emoção relata o estupro corretivo que sofreu. Nota-se uma raiva ao demonstrar como os homens cisgêneros podem ser perversos.

Ao invés de se humilhar e ser jocosa pelo fator de ser uma minoria, Hanna Gadsby faz o oposto, joga na cara de homens brancos cisgêneros e heterossexuais o quão são covardes e finaliza de forma magistral, ao rir deles por se sentiram incomodados com uma hora de perseguição, e lembrar que ela é perseguida a vida toda.

Ao trazermos esta vivência, seja como mulher, como lésbica, pessoa trans, a perseguição é imposta majoritariamente por uma parcela da sociedade. A vivência de medo, de estar sendo vigiada, impõe um sentimento de pânico a nós LGBTQIAP. Mesmo vivendo em um país considerado de primeiro mundo, Hanna mostra que a perseguição existe, o preconceito está presente. Agora imagine, caro leitor, essa vivência no Brasil, que é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo.

Ser um ponto fora da curva é simplesmente inaceitável, viver fora de padrões é algo inimaginável, principalmente no atual cenário político brasileiro. O medo da rejeição, de perder emprego, de ser esquecida(o) pela família é constante. Em nenhum momento queremos mais direitos, apenas o respeito e a igualdade que é garantida pela constituição. A dica é veja Nannete, mas veja duas vezes, as ironias e o discurso ficarão mais claros, mas saiba que o sentimento de revolta e de que levou um soco no estômago será o mesmo.

Fabris Martins, mulher trans, publicitária, designer e podcaster.