A saga dos alimentos
Mentiras e verdades sobre alimentos (parte 3)
Maria procurou uma advogada para conseguir pensão para a filha, de 7 anos, cujo pai nunca pagou alimentos. Assinou a procuração e, poucos dias depois, a advogada avisou que tinha dado entrada no processo.
Viu na internet quando a juíza mandou o pai pagar alimentos provisórios. Achou pouco os 20% do salário-mínimo, mas era alguma coisa.
1 mês, 2 meses, 3 meses…. Nada de dinheiro.
Ligou para a advogada e descobriu que a decisão só valia quando o réu fosse citado.
“Mas o que é citado”, perguntou?
“Ah, quando ele receber o aviso de que tem que pagar”.
Ok. Esperemos.
Mais alguns meses e nada.
O pai não estava sendo encontrado.
Busca entre amigos, família e encontra o endereço do pai da filha.
Nova tentativa de encontrar.
Agora vai.
Conseguiu.
Aí vem a audiência: ele diz que é muito dinheiro que está sendo pedido, não tem R$ 199,60 para pagar todo mês. Pede para pagar R$ 100,00. Ela diz que é inviável arcar com os custos de vida de uma criança com esse valor. Impasse.
A juíza então decide: vai ser 30%!
E surge a pergunta, de onde saiu 30%?! Ela gosta, mesmo que ainda seja pouco. Ele, não acha bom. A advogada dele, recorre.
Nada de dinheiro na conta ainda. Mais alguns meses se passam. Julga-se o recurso. Uns tais de desembargadores dizem que a juíza estava certa e vai ser 30%.
Finalmente!
Mas não. Ele não paga espontaneamente. Precisa executar.
O processo continua e aí vem uma decisão difícil: pedir a prisão do pai da filha para receber os três últimos meses de pensão? Ou só cobrar os valores e tentar achar na conta dele o dinheiro todo que ele deve? “A advogada perguntou o que eu quero fazer…. O que minha filha vai achar de mim se eu prender o pai dela? Eu sou uma péssima mãe….”
Essa história é completamente ficcional, mas é o retrato de como acontece um processo de alimentos, o qual tem por base a minha experiência de defensora pública.
Optei por colocar uma mulher e sua filha como personagens principais porque em cerca de 70% dos divórcios, a guarda é atribuída à mulher, o que significa, por dedução, que as mulheres são as grandes responsáveis pelos pedidos judiciais de alimentos.
A primeira coisa que aprendi nesses anos é que a busca pelos alimentos aos filhos/as não é, necessariamente, a vontade de dividir a responsabilidade pelo cuidado parental. Muitas mulheres sequer sabem que o sustento dos filhos é dever de ambos os pais/mães, assumindo uma postura individual de cuidado. Nesses casos, é a necessidade de ter dinheiro para “dar de comer” aos filhos que muitas vezes irá movê-las até o Judiciário para buscarem esse direito, que sequer lhes pertence, mas que exercem em razão do cuidado com os filhos.
Esse movimento da mulher de busca pelo direito dos filhos acaba representando, na maioria das vezes, um novo ônus que sua condição feminina vai ter que suportar, além da maternidade, da condição inferiorizada de mulher, dos múltiplos trabalhos (profissional e casa), dos subempregos, dos menores salários etc. E esse novo ônus terá como agravantes o desconhecimento do caminho jurídico para ter acesso aos alimentos e a falta de agilidade do Poder Judiciário com o processo.
Não há, infelizmente, estatísticas no CNJ sobre o tempo de tramitação de um processo de alimentos, mas, por ser uma questão de urgência, de vida, quaisquer meses que dure já significam um prejuízo evidente.
A contribuição que eu posso oferecer com esse texto é mostrar como funciona o processo de alimentos, porque esse conhecimento já é um ato de empoderamento.
Escrevo em tópicos por acreditar que fica bem didático:
- Ao se decidir buscar uma decisão judicial de alimentos, o primeiro passo é procurar um/a advogado/a ou a Defensoria Pública para que esses profissionais ajudem na parte jurídica. Eles farão uma primeira avaliação sobre os documentos que são importantes e se deve ser tentado um acordo em primeiro lugar. Acordos costumam ser mais rápidos e atendem melhor as pessoas, mas nem sempre são recomendados ou possíveis, como acontece nos casos em que existe violência envolvida;
- Não sendo possível acordo, começa-se o processo. Ao receber o processo, o juiz deve estabelecer alimentos provisórios. O valor desses alimentos é feito com base no que se diz que o réu ganha e é bem importante tentar ser o mais realista possível (mas sei que nem sempre é possível);
- Junto com os alimentos provisórios, é marcada uma audiência de conciliação em que vai se buscar um acordo. Se não for possível, pela lei, automaticamente deveria acontecer uma audiência que chamamos de audiência de instrução e julgamento, em que serão apresentadas as provas de quanto é necessário de alimentos e quanto a outra pessoa pode pagar. Nem sempre essas audiências acontecem no mesmo dia, então, talvez vocês escutem que elas vão acontecer em dias diferentes;
- Para ir à audiência, o réu (quem deve alimentos) é convocado por meio de uma citação, que tem que chegar onde a pessoa mora ou trabalha. Só depois do recebimento dessa citação é que passa a valer os alimentos provisórios, porque é desse momento que se considera que o réu sabe que tem uma ação de alimentos;
- Uma vez que tenha a citação, a propósito, o réu deveria já ir pagando os alimentos até que tenha uma sentença do juiz, seja porque houve acordo ou porque, não tendo acordo, o juiz fixou o valor que é devido;
- A partir do momento em que o réu é citado e não paga os alimentos, seja os provisórios ou os fixados na sentença (que chamamos de definitivos), ele pode ser cobrado através de um processo de execução;
- Essa execução tem 2 espécies: uma, que permite a cobrança dos 3 últimos meses devidos, e que permite a prisão. Aliás, é a única hipótese de prisão civil por dívida no Brasil. Outras prisões apenas por crime. Nesse caso, faz-se o pedido de cobrança com uma planilha de quanto é devido, incluindo juros. O réu/devedor é intimado e se não pagar em 3 dias, nem apresentar uma justificativa, o juiz pode determinar sua prisão pelo prazo de 30 a 90 dias. A prisão só é suspensa se houver o pagamento da dívida, ou um acordo para pagamento;
- Na outra espécie de execução cobra-se o dinheiro, com juros e correção monetária, e, para isso, pode-se pedir bloqueio de conta corrente, penhora de bens móveis e imóveis, e até mesmo a negativação do nome. Há hoje alguns debates sobre suspensão de CNH, retenção de passaporte, mas essas medidas ainda estão sendo debatidas se podem ou não ser aplicadas.
Esse é, em resumo, como funcionam os processos de alimentos, tendo como referência a cobrança de alimentos por filhos em relação aos seus pais. Mas também funciona nos alimentos entre cônjuges.
A fonte principal foi a Lei n. 5.478/1968 e os links que coloquei ao longo da postagem.
Existem vários debates jurídicos específicos, assim como também existem formas diferentes que esses processos podem ter a depender da vara judicial. Mas, como avisei, a ideia aqui é tentar esclarecer um pouco como funciona o processo, para dar mais acesso a todos e a todas leitoras.
Ficou alguma dúvida? Mande um e-mail, que eu respondo!