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Cinco motivos para assistir Little Fires Everywhere

28 de agosto de 2020

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Cinco motivos para assistir Little Fires Everywhere

Me deparei com Little Fires Everywhere por acaso no Prime Video e comecei a assistir despretensiosamente.

Só depois fiquei sabendo que a série é baseada no livro homônimo escrito por Celeste Ng, e que, além de ser protagonizada por mulheres, também possui outras tantas por trás das câmeras e em posições de poder. Isso fez com que eu gostasse ainda mais da produção e visse até mais sentido em como as questões espinhosas e tabus são abordadas de formas ao mesmo tempo tão diretas e sutis.

A história é sobre a conturbada relação entre Elena Richardson (Reese Witherspoon) e Mia Warren (Kerry Washington), duas mulheres bem diferentes que passam a conviver numa vizinhança suburbana “perfeita” dos Estados Unidos.

Desde o começo fiquei envolvida com o mistério que dá início à trama: um incêndio destrói a mansão da família Richardson. Os filhos, no carro, se perguntam pela Izzy, e dizem que a mãe encontrará um jeito de culpá-la. Em seguida, voltamos no tempo para descobrir o que aconteceu. E é aí que começa a nossa lista.

1. Desenha o racismo estrutural

A família Richardson se vangloria de ser inclusiva e livre de preconceitos, já que tem um histórico de marchar contra o racismo ao lado de personalidades negras, a família de Elena ter sido responsável pela integração de brancos e negros na escola da região, e a filha mais velha Lexie namorar Brian, o atleta negro da escola. Mas logo de cara nos deparamos com diversos comentários preconceituosos, que são imediatamente ancorados pela desculpa de “não estou sendo racista, meu namorado é negro”, ou “não sou racista, minha família é responsável pela inclusão racial na escola das crianças”. O racismo não fica apenas nos comentários e se consolida em ações concretas, como quando Pearl não consegue entrar para uma classe avançada; quando Lexie rouba a história de Pearl para sua redação de Yale; quando Elena decide alugar um apartamento para Mia por um preço mais baixo e passa os oito episódios insinuando que Mia lhe deve alguma coisa e por aí vai.

2. Explica questão de classe

Um exemplo bem marcante pra mim, que derruba o mito da meritocracia, são duas cenas sobre 70 centavos. Primeiro, Bebe Chow, uma imigrante asiática que trabalha ilegalmente num restaurante – então nem preciso dizer que recebe uma miséria pelo trabalho – vai desesperada ao mercadinho comprar leite para alimentar sua bebê, uma vez que não consegue alimentá-la com seu próprio leite. Mas faltam 70 centavos para completar o valor do produto e a vendedora a expulsa da loja. Alguns episódios mais tarde, Izzy, a filha mais nova da rica família Richardson, entra em um ônibus e percebe que faltam 70 centavos para completar o valor da passagem, mas o motorista se compadece e é solidário com a menina, deixando que entre no ônibus e complete a viagem. Por que a menina rica foi merecedora de mais empatia que a mãe sem dinheiro para alimentar sua filha?

3. Mostra a situação dos imigrantes

Sem direitos, os imigrantes acabam se submetendo a condições de trabalho exaustivas e mal pagas, que mal permitem sobreviver. Entretanto, o sistema parece fechar os olhos e fingir que está tudo bem enquanto eles estão quietos apenas servindo e fazendo o serviço que os estadunidenses não querem fazer. É o que fica claro na história de Bebe. Quando ela deixa sua filha no corpo de bombeiros por não ter como alimentá-la e depois não sabe o paradeiro da filha. Ela não pode recorrer à polícia ou buscar ajuda para encontrar a filha por estar ilegal no país e precisa sofrer escondida para não perder o emprego ou ser deportada.

4. Fala de maternidade real, sem romantismo 

Apesar de a maternidade ter sido algo que estava nos planos de Elena, ela acabou descobrindo que não era bem assim. Elena precisou adiar seus planos profissionais e desistir de ascender na carreira para se dedicar também à vida doméstica e cuidado com os quatro filhos. Já Mia, apesar de ter seguido um caminho diferente, eu diria até nômade, com sua filha única, Pearl, também precisa se deparar com as dificuldades de criar uma filha, com poucos recursos e sendo mãe solo. Little Fires Everywhere também apresenta outras mães e o assunto maternidade em diversos momentos, mostrando como a experiência é muito diferente para cada mulher, e que também está relacionada a uma questão de classe.  Um exemplo disso é o julgamento da família McCullough, que encontra um bebê abandonado e decide adotá-lo. Quando a mãe da criança aparece, é acusada de ser irresponsável e louca. Mas as pessoas que não conseguem entender os motivos da mãe biológica são pessoas abastadas, com condições financeiras para criar quantos filhos quiser.

5. Discute nossa relação com a vagina

Elena faz parte de uma espécie de clube do livro com as amigas, em que a cada rodada uma integrante escolhe um livro para todas lerem e discutir. Ao longo dos episódios, elas mencionam com constrangimento o livro que foi escolhido pela amiga ginecologista, mas sem entrar em detalhes, apenas demonstrando o desconforto com a escolha. No dia do encontro para discussão, elas começam os debates e em determinado momento Elena critica o fato de que, em um livro dedicado à vagina, a maternidade não tenha um espaço significativo. A colocação de Elena provoca uma reflexão sobre os tabus que cercam nossas vaginas e como elas são maltratadas pela sociedade. Reflexão esta feita por Mia, que não havia sido convidada para o clube do livro, estava apenas servindo as convidadas brancas, o que nos leva de volta ao ponto 1 dessa lista.

Jornalista, feminista e "anticapetalista"