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Pode um livro ser quilombo?

16 de setembro de 2021

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Pode um livro ser quilombo?

Forma-se uma potência grandiosa quando as margens sociais tomam fôlego e afrontam os centros de poder. Olhar com atenção e curiosidade a esses movimentos expande universos particulares e abre espaço para novos imaginários de sociedade.

            Penso nisso com mais materialidade desde que recebi o livro Poetas Negras Brasileiras: Uma Antologia, um quilombo de mulheres negras em profusão de muitas vozes, arte, resistência e força. A coletânea, organizada pela poeta cearense Jarid Arraes e lançada pelo selo Ferina em parceria com a Editora de Cultura, vai muito além de poesia de excelente qualidade que une nomes consagrados, como os das escritoras Cristiane Sobral, Esmeralda Ribeiro e Nizza Rizzi, ao de autoras estreantes. É notável sobretudo porque constrói um lugar onde mulheres negras protagonizam narrativas, escrevendo a si mesmas para além dos estereótipos de marginalização que o Brasil as impõe.

Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram as mulheres negras brasileiras sofrendo asfixia social. Vivem com menores acesso a bens e serviços de saúde, educação, infraestrutura, ocupam subempregos e se avolumam em números que mapeiam vítimas de violência doméstica e abortos clandestinos.

A despeito de todo esse desfavor, as mulheres do livro Poetas Negras Brasileiras abrem novos caminhos, desenham horizontes outros. Falam de si usando a língua da subversão, do ataque e da inconformação. A palavra, nas bocas e dedos delas, é ferramenta de combate. Mostra que não aceitam passivas os lugares marginais, mas fazem guerra aos limites impostos.

Uma mulher negra que fala por si é capaz de destruir limitações e estereótipos. Se muitas delas se unem nesse propósito, provocam um vozerio alto, imenso, pulsante. Poetas Negras Brasileiras é uma obra que faz barulho. Feita para ler, ouvir, tocar e imaginar. O livro é um rompante de sons que descreve vivências, violências, amores e sobretudo outro mundo possível. Além dos poemas traz ainda ilustrações que direcionam o olhar a essa nova rota construída por mulheres que são aguerridas e não cabem nos espaços pequenos que lhes foram destinados. Querem, podem e são muito mais.

Destaco os textos de Mel Duarte e Cristiane Sobral, meus favoritos. No entanto planto curiosidade não por um ou outro trabalho, mas pela magnitude que é a junção de diversas mulheres negras falando das forças que as movem e da grandeza que as margens sociais tentam tolher. Mostram que não estão contidas, mas fazem dessa experiência um quilombo robusto, que atrita com os limites a elas impostos e reordena o imaginário sobre quem elas são. Poetas Negras Brasileiras vai muito além do objeto livro. É um brado.

*Imagem do livro virtual ilustrativa.

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É uma mulher feminista latino-americana. É também jornalista, mestra e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará (UFC) pesquisando feminismos e redes sociais.