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Precisamos falar sobre união estável – Parte 03

29 de julho de 2020

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Precisamos falar sobre união estável – Parte 03

Relembrando: na primeira parte desta série, abordamos o que caracteriza uma união estável e, na parte dois, as consequências de se estar (ou não) nela. Na terceira parte da série, vamos explicar o que fazer quando a relação acaba.

O aviso mais importante desse texto é: qualquer relação afetiva termina quando uma pessoa decide não prosseguir. E esse desejo deve ser respeitado, sem ameaças, sem violência, sem perseguições. Talvez envolva luto e sofrimentos em todas as pessoas, mas é um sentimento e um desejo que deve ser respeitado.

A decisão de terminar a relação é uma das formas de terminar. A outra, é pela morte.

Mas, uma vez que o relacionamento acabe, o que acontece?

Quando o término acontece por decisão de uma ou de ambas as pessoas, a união acaba. Deixa de existir. Basta que deixe de ter uma família no sentido mais natural que entendemos.

Não precisa de papel, nem de decisão do juiz. Essa é uma das grandes diferenças em relação ao casamento. No casamento, podemos nos separar de fato (antigamente chamávamos de separação de corpus), mas só o divórcio põe fim em definitivo ao casamento. Na união estável, não. Basta acabar com o sentimento e a vida em família, que ela acaba também.

Tem casos em que dizer quando acabou é difícil, porque vamos prolongando o término já que nem sempre dá para dizer que algo terminou as X horas do dia tal. O dia do fim pode ser importante para alguns efeitos, falo deles abaixo, mas aí, é algo a ser debatido em processo judicial e cada pessoa vai tentar mostrar a sua visão sobre o quando terminou. Mas, termina quando acaba essa família, o sentimento que une.

Se esse é o único ponto difícil, temos que lidar com essa perda. Mas, se existe patrimônio, filhos ou existe interesse em alimentos, aí, precisamos pensar.

Fim da união estável e partilha dos bens

Relembrando o texto anterior, eu comentei que na união estável existem regras que tratam do patrimônio que o casal adquiriu em conjunto e que geralmente são os bens móveis e imóveis que foram comprados durante a união.

Quando termina a união estável, precisamos dividir esse patrimônio. E será metade para cada um.

As principais dúvidas que recebo são: eu juntei meu salário e comprei um terreno, meu ou minha ex tem direito? E a casa que era da minha família e fomos morar, minha ex vai poder morar na casa? Ou, compramos um imóvel financiado em 30 anos na CEF, de quem é? Posso deixar pros nossos filhos?

Prometo falar só sobre regime de bens, mas em linhas gerais, tudo aquilo que é comprado deverá ser dividido de forma igual. Mas, se a casa foi doada ou emprestada, só divide o valor das obras que tenham sido feitas durante a união estável. E, financiamentos, divide-se o que foi pago durante a união estável.

Resumo: a regra é dividir, muito embora existam várias situações e cada uma deva ser analisada com cuidado.

Alimentos, especialmente para a mulher

Eu tratei de alimentos numa série também do Olhares que chamamos de “Mentiras e verdades sobre alimentos (parte 2)”. Nada mudou desde então: é bem difícil hoje em dia conseguir alimentos para mulheres, porque se argumenta que nós ficamos financeiramente independentes e podemos trabalhar. Eu discordo, porque ainda temos maior carga de trabalho doméstico comparativamente a homens, ganhamos salários menores e temos mais dificuldade de acesso ao mercado de trabalho, especialmente para as mulheres que pararam de trabalhar para dar prioridade à família.

E os filhos?

Se existirem filhos, os temas sobre eles terão que ser levados à justiça, por advogada, advogado, defensor ou defensora pública.

Eu acho “mito” que tudo é realmente levado ao Judiciário e tenho muitas críticas a essa importância da magistratura como centro de controle da vida privada. Mas, o que aprendemos em Direito é que existindo direito de criança ou adolescente, a decisão é do Judiciário e, ao menos quando não há concordância entre o casal, essa é mesmo a alternativa.

Se o fim aconteceu pelas fatalidades da vida

Em caso de morte, não teremos alimentos, mas teremos sim que resolver a divisão do patrimônio do casal. E, além disso, precisaremos resolver a herança… Ops, mais um post só pra falar disso porque tem muita informação sobre herança!

Último tópico: se a pessoa que morreu era segurada do INSS ou servidora pública com regime previdenciário, vai existir, possivelmente, direito à pensão por morte.

Ah, um aviso: para ter direito à herança ou a pensão, a união estável tem que existir até o momento da morte do companheiro ou companheira. Senão, significa que a família já tinha acabado e não existe união estável nesse caso!!

Doutora em Direito Civil, Professora de Direito Civil na FGV Direito Rio, Defensora Pública no RJ, Mulher negra, feminista, cisgênero.