Retrospectiva 2018 (Parte 02): Ninguém solta a mão de ninguém
Do carnaval à COPA, vimos que essa história de que o ano só começa no segundo semestre é furada. Os primeiros meses foram apenas o prenúncio da necessidade cada vez mais gritante de organizar e mobilizar esforços na luta contra a agenda opressora do patriarcado. Por isso, de JULHO, destacamos notícias confortantes para preparar o espírito para a batalha que vem pela frente.
Começando pela representatividade no mercado de trabalho, a Avianca formou, pela primeira vez na história da aviação civil nacional, uma turma de pilotas composta apenas por mulheres. Uma conquista importante, quando constatamos que ainda somos as maiores vítimas de assédio dentro do ambiente de trabalho e que a desigualdade está por toda parte: do campo à robótica. Já nas passarelas, o destaque fica por conta da modelo transgênero Angela Ponce, eleita Miss Espanha no concurso de beleza mais importante de seu país. Em Cuba, a Assembleia Nacional debateu um artigo da reforma constitucional que abre caminho para o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo na ilha comunista. O artigo representa um avanço importante, num país que arrasta o peso de décadas de discriminação a seus cidadãos por sua orientação sexual. No Brasil, tivemos a visita de Malala Yousafzai, a paquistanesa que desafiou o Talibã e tornou-se a pessoa mais jovem a ganhar o Nobel da Paz. Malala veio ao Brasil pela primeira vez, representando o MalalaFund para promover a educação de meninas no mundo, e deve investir US$ 700 mil em três jovens ativistas pela educação de diferentes partes do nosso país.
AGOSTO começou com as mulheres ocupando a área central de Brasília para bradar: Nem presa, nem morta! Entre os dias três e seis, o festival Pela Vida das Mulheres mobilizou pessoas em defesa da descriminalização do aborto, enquanto o Supremo Tribunal Federal promovia audiência pública sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 442. Foram dois dias de debates, em 3 e 6 de agosto, com exposição de 40 participantes selecionados pela ministra, entre eles especialistas, organizações internacionais, movimentos feministas e religiosos. Embora os 11 ministros do STF tenham sido convidados a assistir a audiência pública, apenas 4 deles estiveram presentes no primeiro dia do evento: além de Rosa Weber, participaram da sessão a presidente, Cármen Lúcia (que teve de deixar a atividade por volta das 10 horas para outros compromissos), os ministros Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski. No segundo dia, Cármen Lúcia abriu os trabalhos, mas apenas Rosa Weber acompanhou todas as apresentações.
Enquanto isso, na Argentina, um passo pra frente, dois para trás. O Senado argentino derrubou, na madrugada de 9 de agosto, o projeto de lei que permitiria a interrupção da gravidez apenas pela vontade da mulher até a 14ª semana de gestação.
Pelo mundo, o México ficou mais representativo, com quase o mesmo número de homens e mulheres nas duas câmaras do Congresso; o Governo Alemão passou a reconhecer um terceiro sexo, além do masculino e feminino; e o parlamento de Honduras passou a proibir a adoção para casais de pessoas do mesmo sexo.
Por aqui, a Câmara aprovou uma alteração na Lei Maria da Penha barrada por Temer em 2017; e o Rio de Janeiro aprovou cinco projetos de lei apresentados por Marielle Franco.
Faltando um mês para as eleições para Câmara, Senado, Governos estaduais e Presidência da República, SETEMBRO chegou com rotinas de assédio e preconceitos contra candidatas – que receberam de ameaças a nudes –, enquanto mulheres se organizavam para fazer bradar pelas ruas de todo o Brasil #EleNão. Outra iniciativa interessante neste sentido foi a carta assinada por um grupo formado por 32 empresas e ONGs, pedindo que os presidenciáveis reconhecessem a importância da inclusão de pessoas LGBTQ+ em suas agendas.
Na Ásia, o mês foi marcado por uma conquista: a Suprema Corte da Índia reconheceu a discriminação por causa da orientação sexual como uma violação dos direitos fundamentais.
OUTUBRO foi um mês turbulento. Com os ânimos acirrados por conta do período eleitoral, as notícias de violência e de intolerância foram rotina. Mas também vimos a união de mulheres, negras e negros, povos indígenas, população LGTBQ e todos aqueles que acreditaram que era possível virar o jogo, em um movimento bonito de viver. No cenário internacional, foi período de Nobel, e elas mostraram sua força. No FMI, a professora de Harvard Gita Gopinath foi nomeada a primeira mulher economista-chefe da instituição e o #MeToo tirou 201 homens do poder, ao passo em que a ONU alertou que nenhum país consegue garantir direitos reprodutivos das mulheres.
Eleições 2018 – sem dúvidas, o acontecimento mais marcante de um mês e de um ano que ainda é difícil dizer quanto tempo vai durar. Se, por um lado, o resultado das urnas trouxe a vitória da intolerância, da opressão e do atraso, também inspirou a inquietação e articulação de grupos até então excluídos dos espaços de discussão. A vereadora do PSOL Marielle Franco — morta a tiros em março — inspirou fortemente a participação de candidatas ao Congresso Nacional e Câmara de diversos estados. Com as hashtags #MarielleVive e #ElasSim candidatas deram visibilidade a pautas feministas, antirracistas e periféricas e o Rio de Janeiro elegeu quatro mulheres negras amigas de Marielle deputadas estaduais.
A vereadora de Belo Horizonte Áurea Carolina, do Psol, multiplicou quase dez vezes a votação que a levou ao cargo em 2016 e garantiu, com mais de 162 mil votos, a sua ida à Câmara dos Deputados no ano que vem. Ela teve a quinta maior votação de Minas Gerais e foi eleita deputada federal pelo estado.
A Bahia elegeu a sua primeira deputada estadual negra: a professora Olívia Santana, do PCdoB, recebeu quase 58 mil votos.
Em Pernambuco, a chapa coletiva Juntas, do Psol, recebeu quase 40 mil votos e vai levar à assembleia legislativa do estado cinco mulheres.
A Assembleia Legislativa de São Paulo terá sua primeira representante transgênera. Érica Malunguinho, do PSOL, nascida em Pernambuco e moradora da capital paulista há 16 anos, foi eleita com 55.223 votos.
A ativista e estudante de gerontologia na Universidade Federal de São Carlos, Erika Hilton, vai acompanhar Malunguinho nos próximos quatro anos na Alesp. Mulher trans e negra, ela faz parte da Bancada Ativista, chapa coletiva do Psol eleita com quase 150 mil votos. O mandato coletivo é liderado por outra mulher negra, Mônica Seixas, jornalista e ativista ambiental.
Atuantes na política há mais tempo, a ex-governadora do Rio de Janeiro, Benedita da Silva, foi reeleita para o cargo de deputada federal pelo PT, e Leci Brandão terá mais um mandato como deputada estadual em São Paulo pelo PCdoB. Veja aqui
As novas caras feministas no Congresso Nacional: teremos recorde de mulheres: 77 foram eleitas – contra 51 em 2014 -, embora ainda estejam longe de ser maioria, com apenas 15% das vagas.
Colorindo a Internet de laranja (mas não é o Queiroz), NOVEMBRO chegou com mais uma edição da campanha “16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres e Meninas”, liderada pela ONU e com ampla participação de mulheres, individualmente ou via coletivos. A mobilização é global. Já atingiu mais de 160 países, propondo ações e reflexões no esforço de erradicação de um drama persistente na vida de tantas mulheres e meninas. O Olhares Podcast mergulhou com tudo nesse movimento, mobilizando a podosfera com a hashtag #ativismonaweb para disseminar informações sobre o tema. Também foi no penúltimo mês do ano que a capital federal viveu os momentos finais da campanha para eleger os novos gestores da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional DF, e, pela primeira vez em quase 60 anos de história da entidade, contou com uma chapa que ousou inverter aquela lógica de 30% de mulheres na composição, com a “Ordem Democrática”. Ainda de Brasília, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que aumenta em um terço a pena para o crime de feminicídio, nos casos em que o autor descumprir medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha.
Na vizinha Argentina, aconteceu em DEZEMBRO o 4º Encontro Latino-Americano de Feminismos, o ELLA. E, se por um instante, achamos que o ano chegava ao fim, o mês estava só começando quando vieram à tona as denúncias de mais de 300 mulheres contra o médium João de Deus, por abuso sexual.
Podemos dizer que percorrer 2018 não foi nada fácil, mas não paramos. Continuamos de mãos dadas. Tentam nos calar, nos dizer o que fazer e por onde andar. Mas apertamos ainda mais as mãos e seguimos em frente. Porque não vamos retroceder. Nem ser silenciadas. Vamos continuar bradando para quem quiser ouvir (e quem não quiser também): Nem presa, nem morta! Lugar de mulher é onde ela quiser! Ele não! Nenhum direito a menos! Ninguém solta a mão de ninguém.