Sejamos todas Margaridas
“A gente sabe porque a gente está lutando”
Mazé Morais no episódio 44 do Olhares Podcast.
Ouvi esse episódio no meio de um momento muito turbulento: prazo de entrega de artigos no doutorado; prazos de entrega de trabalho na Defensoria Pública; roupa para lavar; cuidados com minhas gatas; casa para limpar; relatos fortes de crianças sobre violência onde moram; morte de três jovens no Rio de Janeiro, vítimas de políticas de insegurança pública…
Eu me emocionei e chorei.
O primeiro pensamento que me veio foi do meu lugar privilegiado, porque minha posição social e econômica me assegura suporte para lidar com as demandas da minha vida, ao mesmo tempo que me distanciam das violências mais fortes que hoje sofremos. Logo depois vem a culpa, por estar nesse lugar…
O terceiro pensamento foi a memória de uma conversa com uma amiga, nordestina, também defensora pública, mas na Bahia, em que discutimos afetos e potências. Chegamos à conclusão que precisamos aprender a canalizar esses lugares, sentimentos e emoções em processos de transformações no mundo, em qualquer pedaço dele.
Volto então ao episódio.
Essa frase de Mazé Morais provavelmente foi a que mais me chamou a atenção porque talvez eu não esteja sabendo porque estou lutando. Ela está me servindo de alerta para a necessidade de engajamento em lutas concretas.
Marcha das Margaridas e Marcha das Mulheres Indígenas são fenômenos de lutas concretas, compostas por mulheres que constroem a sua identidade e a de outras no dia-a-dia e que tem por objetivo cobrar ações políticas de valorização da mulher, de combate à violência, à saúde de qualidade, ao direito à terra e cultura indígenas.
Embora tenham origens em setores sociais bem delimitados, as Margaridas, em homenagem a Margarida Alves, vítima de homicídio no campo, e a Marcha Indígena, de temas indígenas, Mazé Morais e Sônia Guajajara foram enfáticas em seu discurso de que a luta não é apenas por essas mulheres, mas é por todas e todos.
Olhando para os últimos 08 meses desse país, podemos dizer com bastante segurança que esses dois movimentos são revolucionários e que levantam pautas obscurecidas pelo debate frio de economia fiscal pelo país.
Fui tentar me convencer de que essa sensação de abandono estava equivocada, mas, não. Esse sentimento é bem real. No site do Ministério da Saúde, o link de dados indicadores da saúde, acessado em 14 de agosto, estava sem nenhuma informação. Enquanto isso, temos aumento da mortalidade materna e de notificação de casos de violência obstétrica. O término da cooperação Brasil e Cuba para o programa Mais Médicos deixou um rastro de 3 milhões de pessoas sem atendimento básico de saúde e tem impactado o atendimento de populações indígenas, ao que se somam possíveis mudanças na organização administrativa da Secretaria Nacional de Saúde Indígena.
A violência contra as mulheres vem crescendo no Brasil, e a educação tem sofridos cortes no financiamento…
Melhor parar por aqui a síntese do cenário…
Em momentos como esse, em que somos tomamos pelo desalento, as Marchas afiguram-se como potentes instrumentos de solidarização e conforto, atuando no campo psicológico para amenizar a frustração do retrocesso social que experimentamos. Ao mesmo tempo, servem para nos educar sobre os direitos dos quais somos detentores e reavivar a necessidade de organização coletiva para avançarmos nas conquistas. Apesar de ouvirmos por aí que deveríamos nos organizar para resistir, a verdade é que só resistir é insuficiente. É preciso ir em frente.
Talvez você pense: mas por que eu não ouvi nem soube dessas Marchas? Bem, a verdade é que, como Sabrina Fernandes sempre fala em seu canal no youtube, vivemos há anos em processos de desmobilização política, com a valorização exacerbada do indivíduo, do seu ganho pessoal em desfavor do coletivo. A mídia e os algoritmos da internet contribuem bastante para essa desmobilização, não dando visibilidade a esses acontecimentos.
Do ponto de vista jurídico, esse é um fenômeno bem curioso, pois a essência da nossa Constituição, que fundamenta e organiza a sociedade brasileira, é solidarista e coletiva, já que o art. 3º da Constituição diz que a República Federativa do Brasil tem como objetivos a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, erradicação da pobreza e promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Em um momento em que a Constituição está desprestigiada, a Marcha das Margaridas e a 1ª Marcha das Mulheres Indígenas nos fazem relembrar da importância das lutas coletivas em favor de nós mesmos, daquilo que só existe na interseção do individual com o coletivo.
Fim do texto. Decidi fazer uma lista de atividades que vou me envolver esse ano. É inspiração que chama… Sigamos.