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A bela adormecida

3 de março de 2021

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A bela adormecida

Você deve estar achando que ando abusando muito das referências a contos de fadas, com toda razão. O fato é que muitas dessas histórias podem servir como base para os definir sentimentos e situações que cercam a vivência de pessoas trans. Neste caso, o título tem ligação com o sentimento de estar num estado de letargia emocional e social.

Diferente da história da princesa, na qual todo mundo dormia e só voltava quando o feitiço fosse quebrado, nós pessoas trans não podemos parar: a sociedade exige de nós um comportamento cisheteronormativo, exige que estejamos sempre na defensiva. Os medos: será que estão percebendo a maneira como eu falo? E esse meu gesto? Será que soltei um “obrigada” sem querer? Vão me descobrir e agora?

Sim, isso acomete todas nós, o tempo todo. Muitas vezes, viver é substituído por sobreviver. A diferença é sutil, mas o primeiro é um ato de resistência, o segundo, de apagamento para que simplesmente aquilo passe e você possa seguir em frente.

Transicionar depois de certa idade tem muito desse despertar da princesa, e como dito antes, a vida não parou, você tem emprego, círculo social, pessoas adjacentes que vão influenciar de alguma forma seu convívio social. A partir do momento de despertar, vem a dúvida: a quem contar?

Acolhimento

Não dá para fazer uma festa de gala para toda a corte, para verem a pessoa que você se tornou, pra dizer ao mundo olha eu sou UMA BELA MULHER, eu sou essa pessoa que vocês nunca conheceram realmente. Eu estive o tempo todo aqui, eu queria gritar, queria sair da prisão social, mas não podia.

Ter um círculo de pessoas com quem você possa contar é importante, ter com quem se abrir é essencial, naqueles dias que você só precisa beber (só se for maior de idade) e simplesmente jogar as convenções sociais pro alto é muito importante. Olhe a seu redor, pra quem você contaria o maior segredo da sua vida? Quem iria simplesmente dizer “vem cá, não importa seu gênero, mas a pessoa que sempre admirei”.

Não se preocupe em ser julgada, se preocupe em ser feliz, você sendo uma pessoa cis ou trans sempre haverá julgamentos, seja antes por demonstrar sinais de feminilidade, seja depois da transição por não ser passável o suficiente (já falamos sobre isso), não importa, seja simplesmente feliz. Aliás, ninguém pode ser feliz para sempre sem ser você mesma.

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Fabris Martins, mulher trans, publicitária, designer e podcaster.