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Alienação parental: como lidar?

9 de outubro de 2019

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Alienação parental: como lidar?

O relacionamento entre os pais acabou de uma forma bem turbulenta. Os motivos que levaram ao término eram tantos que uma lista não daria conta, por isso, seria melhor resumir: acabou o amor.

Mesmo depois do fim, os conflitos permaneceram. Eram brigas e ameaças e acusações, xingamentos, alguns episódios de brigas físicas. Desgastes corporais e emocionais que afetavam, não apenas o ex-casal, mas especialmente os filhos.

Por conta dessa situação, ninguém se deu conta quando as crianças começaram a apresentar sinais de isolamento, ou ainda quando começaram a ter medo de sair com um deles nos dias de visitas.

Só quando a escola chamou para uma conversa, cada um dos pais, em dias diferentes, após um episódio em que um dos filhos fez xixi nas calças no meio da sala de aula e o outro tentou bater em um dos colegas de classe, só aí, é que finalmente começaram a perceber que as crianças estavam sofrendo.

Mesmo tendo diminuído (mas não acabado) o conflito entre os pais, a mãe percebia que os filhos tinham medo de ir com o pai, mas achou que estava relacionado com a nova esposa do pai.

Decidiu conversar com os filhos:

– Crianças, como são os dias que vocês ficam com seus pais?

– Ah, é legal. A gente fica com ele.

– Tá, legal como?

– É legal.

– Mas o que vocês fazem?

– A gente fica em casa só.

– Só? Mas no prédio dele não tem uma área enorme para brincar?

– Tem, mas ele nunca leva a gente.

– E o que mais?

– Só isso!

– Só? Mas vocês gostam tanto de bicicleta e brincar na rua…

– É, mas a gente não faz.

– Pelo menos ele faz aquelas comidas gostosas para vocês?

– Não muito. Mas nem é ruim, porque a gente descobriu uma lanchonete na esquina com uns sanduíches deliciosos e ele deixa a gente comer o dia todo lá. A não ser que a gente faça alguma coisa errada…

– Como assim?

– É quando a gente faz besteira, a gente apanha. Ih, ele pediu para não contar para você…

A raiva tomou conta! Como assim não brincar com os filhos, mal sair do apartamento e ainda bater!

O ex-marido sabia que ela era contra violência e que jamais tinha deixado dar nem um tapinha como forma de repreensão. Ela tinha que fazer alguma coisa!

Aproveitou um encontro com amigas para pedir conselhos. Algumas amigas se posicionaram contra qualquer atitude. Disseram que à falta de provas muito evidentes contra o pai, era melhor deixar quieto. Advertiram que ela seria chamada de “louca” e acusada de ser uma péssima mãe por ter acusado o pai de algo tão grave sem provas.

Elas disseram que já tinham lido algumas reportagens sobre mulheres que perderam a guarda dos filhos depois de acusarem os pais sem provas e que a experiência no Tribunal foi a pior possível, com acusações explícitas de serem autoras de alienação parental por tentarem impedir o contato das crianças com os pais.

Um outro grupo de amigas se opôs, dizendo que era papel dela enquanto mãe fazer o melhor para os filhos, mesmo se fosse contra o pai, e era absurdo ela ser punida por isso!

Ao fim desse encontro, tinha a sensação de ter a cabeça como um balão, mas ao invés de ar, seu conteúdo era ferro, talvez aço.

Passados alguns dias, achou melhor procurar uma advogada para entender o que era necessário fazer e como deveria ser feito. Estava tão ansiosa com o atendimento que mal cumprimentou e já saiu perguntando:

– Oi, o pai dos meus filhos não está cuidando direito deles. Eu quero a guarda exclusiva! O que você pode fazer?

– Entendo. Você pode me contar o que está acontecendo? Perguntou a advogada.

A mãe contou toda a história, inclusive a conversa entre amigas e suas preocupações, e recebeu algumas orientações muito boas:

– Agora que eu sei a história, deixa eu falar algumas coisas. Como já falei, alienação parental é uma atitude em que uma pessoa, responsável pela criança, pai, mãe, tios, tias, avós etc., influenciam negativamente a criança contra um dos pais ou contra os dois e isso acaba prejudicando o relacionamento entre pais e filhos.

O que você está me narrando é uma preocupação justa e uma vontade de que seus filhos tenham o melhor cuidado possível.

Por outro lado, entendo suas amigas quando dizem que você pode ser acusada de alienação. Hoje realmente temos casos em que a mãe fez acusações de falta de cuidado (e alguns casos mais sérios, de violência) e que, por não terem sido provadas, foram consideradas como autoras de alienação parental e perderam a guarda. Mas também sabemos que essa “condenação” é uma forma de silenciar mulheres porque nós acabamos com medo de falar as suspeitas para não perdemos a guarda.

Agora, se está afetando as crianças, sim, algo deve ser feito.

Eu gostaria que você pensasse em algumas sugestões para lidarmos com isso: primeiro, mediação entre você e seu marido. Como não há relato de violência de gênero entre vocês, não temos a proibição da Lei Maria da Penha. Mas, apenas se você se sentir segura e confortável com essa alternativa. A mediação é um processo em que uma outra pessoa, o mediador, conduz os participantes a uma solução equilibrada e adequada aos envolvidos. Se der certo, pedimos a homologação do acordo na justiça.

Não sendo do seu interesse a mediação ou se ela não chegar a um acordo, podemos fazer sim um processo de guarda.

A lei dá preferência à guarda compartilhada aos pais, mesmo em casos de conflito entre eles.

E quando tem suspeitas de alienação parental também se costuma adotar a guarda compartilhada porque, segundo estudos, a convivência e a responsabilidade com ambos os pais são mais benéficas para a criança. Mas isso discutimos no processo.

De qualquer forma, tem uma coisa que eu acho essencial: que você cuide da saúde mental, sua e dos seus filhos. Você está contando uma situação que envolve sentimentos e expectativas e o Direito não tem potencial de resolvê-los. Podemos cuidar da parte jurídica e da forma como o cuidado com as crianças serão melhor feitos, mas a individualidade e os sentimentos que surgem, isso não conseguimos resolver pelo Direito. Daí ser muito importante o atendimento em saúde.

A consulta com a advogada continuou mais um pouco em que ajustaram algum tempo para refletir sobre o que fazer. Mas ao sair da sala teve a certeza de que estava bem orientada sobre o que fazer nessa situação.

Doutora em Direito Civil, Professora de Direito Civil na FGV Direito Rio, Defensora Pública no RJ, Mulher negra, feminista, cisgênero.