Esconde-esconde
Olha eu aqui novamente, recorrendo a algo que remete lembranças de todas as pessoas. A brincadeira de se esconder fisicamente deve ser uma das mais populares no país, claro que sempre há variantes, mas no geral é sempre alguém escondido e outra tentando achar, para aí trocar os papéis.
Você deve estar se perguntando, o que isso tem a ver com essa coluna? Eu respondo: tudo. A vida de pessoas trans antes e depois da transição é basicamente um exercício de se esconder. Antes da transição ficamos apreensivos, com medo de perceberem que somos diferentes, que não representamos o papel que a sociedade nos impôs ao nascer e ao registrar nosso nome civil.
Depois da transição temos aquilo que é o cálice sagrado para a maioria das pessoas trans, que é a tão sonhada passabilidade (termo usado pela comunidade que implica em determinado indivíduo trans “pareça” com seu gênero de identificação, ou seja, implica em ninguém perceber que esse indivíduo é trans, em ser “confundindo” com alguém cisgênero). Tendo isso em mente, quando a pessoa se submete a inúmeros procedimentos, ela sonha com isso: estar dentro de padrões estéticos e sociais de tal modo que não precise se preocupar em ser expulsa de um banheiro público, por exemplo.
Quero deixar claro que não há nada de errado nesse sentimento de querer ser passável, muito pelo contrário, em um país transfóbico como o nosso, ter essa característica é reconfortante, muitas vezes a passabilidade é a chave para ter ou não um emprego, e em casos mais extremos entre viver e morrer.
Representatividade
Um fenômeno recorrente é chamarem para eventos e debates sobre questões LGBTQiIAP’s apenas pessoas trans totalmente passáveis, aquilo que podemos chamar de padrão social aceitável. Isso acaba sendo uma forma de fazer uma meia culpa, mas sem dar voz a boa parte da população trans, que está longe destes padrões estéticos. Claro que é um avanço sermos lembradas de alguma forma, no entanto, é preciso avançar mais. Não podemos sempre ter de ficar nos escondendo, fingindo, para que a sociedade nos aceite.
Infelizmente boa parte das pessoas trans não conseguem ou não querem buscar esse ideal. Isso muitas vezes faz com que sofram preconceito e até mesmo violências que em casos mais graves ocasionam a morte. Temos que ter em mente que não é porque uma pessoa trans é mais ou menos passável, que ela é mais ou menos trans que outra. No final das contas ser trans não tem a ver com padrões estéticos, mas com a identidade que a pessoa trans tem de si em relação ao mundo.
Esse conceito de ser passável pode ser muitas vezes ofensivo. Quando alguém chega para uma pessoa trans e fala: “nossa como você é bonita, nem parece trans”. Isso ultrapassa todos os limites, isso não é nenhum elogio, você estará desvalorizando e minimizando toda a luta de uma pessoa e a reduzindo a uma mera questão estética.
Como diz o meme: Que tal trocarmos a glorificação de padrões estéticos por respeito à pessoa trans? Isso evita que pessoas tenham de se esconder e torna a sociedade muito mais receptiva e humana para todas e todos.