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Espelho, espelho meu…

14 de agosto de 2020

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Espelho, espelho meu…

Essa história poderia começar também com “era uma vez”, mas infelizmente não é um conto fictício, muito menos uma história pra crianças, mesmo porque, para grande parte das pessoas o assunto transgeneridade deve ser colocado para debaixo do tapete.

Este é na verdade um relato de como podemos lidar com o simples ato de se olhar no espelho e não se enxergar ou estar longe do que realmente gostaríamos de ser.

Hoje o assunto é DISFORIA. Nossa que palavra difícil é essa? Calma que vou explicar, segundo o dicionário, estado caracterizado por ansiedade, depressão e inquietude. Dessa forma já começamos a seguir uma lógica e podemos fazer o desdobramento DISFORIA DE GÊNERO, que se caracteriza por identificação persistente com o gênero oposto, associada a ansiedade, depressão, irritabilidade e um desejo de viver como um gênero diferente do qual foi designada no nascimento, que é onde a maioria das pessoas trans se encaixam.

Rejeição

Que fique claro que nem só pessoas trans vivem disforia, este é um sentimento para além, é uma identificação que permeia as pessoas que por algum motivo rejeitam a imagem que elas encontram no espelho. Inconscientemente, ou não, muitas pessoas trans pré transição deixam o cabelo crescer, usam roupas unissex, se depilam, tudo para se sentirem menos inadequadas, aliás esse termo é bem propício pois demonstra que você está vivendo uma vida que não lhe pertence, que não te faz bem. Eu como pessoa trans vivi várias vezes este conflito, me olhar no espelho e simplesmente negar uma existência que não me representava.

Como dito anteriormente o sentimento de disforia é muito amplo, cada pessoa sente de uma maneira, ou parte do corpo. Algumas pessoas sentem por pelos no corpo, outros por barba, pelo nariz, ausência de seios, pelo órgão genital e assim por diante. Quando uma pessoa cisgênera – aquela que se identifica com o sexo que foi designada ao nascer – resolve intervir no próprio corpo, seja por conta de um nariz que não gosta ou porque acha que tem os seios pequenos, a sociedade, via de regra, aplaude, dá força pois ela está se realizando, está se livrando de algo que não a faz bem. Ao passo que uma pessoa trans resolve fazer uma cirurgia de feminização facial, ou colocar implantes de silicone, pois acha que não tem os seios que gostaria de ter, ela é marginalizada e tratada de forma agressiva por boa parte da sociedade, inclusive profissionais de saúde.

Inquietação

Temos de ter em mente que o sentimento de inadequação é natural do ser humano, seja por algo natural, ou por conta de imposições sociais. Que fique claro, não é porque uma pessoa tem as características que a sociedade julga como belas, que a faça parecer alguém cisgênero, que ela é mais ou menos trans do que alguém que não corresponde aos padrões de beleza. Ser trans é para além de beleza e convenções sociais, ser trans é acima de tudo um sentimento de inquietude, de liberdade, de desafiar os padrões e dizer ao mundo que você quer e necessita ser feliz como qualquer pessoa.

Imagem de/ photo by: Tasha Kamrowsky

Fabris Martins, mulher trans, publicitária, designer e podcaster.