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O existir da pessoa trans, sempre um ato de luta

11 de maio de 2020

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O existir da pessoa trans, sempre um ato de luta

Muito se fala em dar exemplo aos mais jovens. Atos banais como pôr o cinto de segurança, evitar o uso de palavras de baixo calão na frente das crianças, dar bom dia a funcionários entre outras coisas.

De tal forma sempre batem na tecla que as novas gerações devem se inspirar em pessoas que foram um ícone de uma geração, seja um cantor, um ator, um cientista, aquele professor que ninguém esquece por sua abnegação com os alunos.

Assim formamos novas gerações, com exemplos positivos de superação, por isso filmes que abordam histórias baseadas em fatos reais falam tão diretamente ao público. A vida de figuras históricas como Nelson Mandela e Dorothy Vaughan são contadas no cinema se tornando exemplo de luta e empoderamento para novas gerações.

Seguindo nesta linha chegamos ao ponto. Quem cresceu nos anos 80 tinha uma carência enorme de exemplos que reforçassem que mulheres trans eram parte da sociedade, que podíamos ser, professoras, psicólogas, designers, paleontólogas entre outras profissões. A única referência que tínhamos era Roberta Close, que era tratada como um ser de outro planeta.

Mulheres trans que apareciam em programas de auditório eram tratadas com o termo jocoso de “transformistas” e submetidas a experiências vexatórias, tais como animais de circo, em que seu nome e identificação eram questionados, além da obrigação de falar abertamente sobre já ter sido “operada” (cirurgia de transgenitalização). E assim foi criada toda uma geração que estigmatizou pessoas trans como objetos de fetiche.

A única visibilidade era dada em revistas masculinas, e o enfoque era sempre coberto de preconceito e de transfobia. Em uma delas a chamada principal era a seguinte: A OUTRA MULHER MAIS BONITA DO BRASIL TAMBÉM É HOMEM. Em outro momento a mulher trans é tratada como O TRAVESTI. Exemplos práticos de como ser inferiorizada até quando deveria se exaltar uma pessoa.

Felizmente demos um pequeno passo nessa evolução. Agora já vemos surgir, mesmo que tardiamente, exemplos que podemos ser muito mais que uma figura exótica. Somos profissionais, e podemos exercer atividades em diversas áreas e não ficarmos relegadas a salões de beleza e a prostituição.

LUTA

A visibilidade é nossa forma de lutar e mostrar que somos sim reais. Somos pessoas com sentimentos, desejos, sonhos e afetos. A forma de nos vestir, falar ou de existir no mundo não interfere em nada nas nossas capacidades, habilidades nem no desempenho de tarefas seja em escritórios, no fórum ou num pronto socorro. Precisamos sim ser vistas, a gente não quer fazer ninguém “virar trans”, aliás isso só existe na cabeça de gente que não nos suporta tendo visibilidade na sociedade.

Ninguém vira trans, nós apenas queremos ser representadas. Eu se tivesse um exemplo positivo durante a infância entenderia que ser quem sou não tinha nada de errado. E em vez de começar a transição aos 40 anos talvez tivesse feito isso aos 18. Nunca saberemos. O fato é que hoje em dia estamos galgando espaços. Estamos “pondo a cara no sol” e entrando no mercado de trabalho.

Ainda somos vistas com curiosidade quando uma atriz trans está em uma novela, ou quando o tema é abordado de forma mais madura em algum programa jornalístico. No youtube temos toda uma geração, que tem dado o real panorama de nossas conquistas e lutas. Seguir a Mandy Candy, a Thiessa, a Brianna Nasck tem sido comum até mesmo para pessoas que não são do meio LGBTQ, esse ato acaba “furando a bolha” heteronormativa. O fato é que nós existimos, vamos sempre existir, e sermos visíveis é mais um passo, é poder mostrar para quem está se descobrindo que há um caminho, que não precisa ficar se escondendo pra sempre. As pessoas trans, assim como outras, necessitam de exemplos, de um suporte pra mostrar seus dons, sua experiência e seus sonhos são válidos.

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Fabris Martins, mulher trans, publicitária, designer e podcaster.