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Por que precisamos falar sobre a Visibilidade Lésbica?

31 de agosto de 2020

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Por que precisamos falar sobre a Visibilidade Lésbica?

Enquanto houver a imposição da heterossexualidade para todas as pessoas, e consequentemente, a violência e tentativa de apagamento de pessoas homossexuais, será preciso falar sobre a invisibilidade das mulheres lésbicas na sociedade.

Para pensarmos sobre a visibilidade é preciso primeiro olhar para a invisibilidade. Pois é a partir do panorama da invisibilidade, que surge a demanda por se utilizar o termo “visibilidade”. Pessoas heterossexuais, por sua vez, estão visíveis o tempo todo, apesar de não serem nomeadas enquanto tais. A demanda através da palavra surge para explicitar o contexto de desigualdade de ocupação dos espaços simbólicos, discursivos e mesmo físico das sociedades.

O básico que só existe para heterossexuais

Não precisaríamos falar sobre visibilidade lésbica caso existisse camisinhas para o sexo lésbico. Precisamos falar para que empresas e governos desenvolvam e fabriquem proteção para o sexo entre mulheres e para prevenir a disseminação das IST’s na sociedade. Não precisaríamos falar sobre visibilidade lésbica, se casais de lésbicas pudessem andar de mãos dadas nas ruas sem sofrer ameaças de violência. Caso mulheres lésbicas não fosse humilhadas e ameaçadas por outras mulheres em banheiros femininos públicos. Caso mulheres lésbicas não fossem expulsas e assediadas por donos de restaurantes devido à intolerância ao afeto. Não precisaríamos falar sobre visibilidade lésbica, caso jovens lésbicas não fossem expulsas de casa devido à sua orientação sexual. Precisamos falar para que famílias não mais expulsem jovens de casa, deixando-a sozinhas e economicamente fragilizadas.  Precisamos falar para que essas violências não mais ocorram.

Mais violência

Precisamos falar sobre visibilidade lésbica para que não mais existam estupros de jovens e adultas lésbicas, cometidos por familiares da vítima, como punição ao fato de não aceitarem se relacionar com homens. Para que ginecologistas não mais violentem mulheres lésbicas em suas partes íntimas durante exames. Para que lésbicas que não se adéquam ao padrão patriarcal de feminilidade não mais sejam recusadas em entrevistas de emprego devido à sua corporeidade. Para que homens não mais explorem a imagem de mulheres lésbicas em materiais de pornografia.

Visibilidade das pessoas heterossexuais

Precisamos falar sobre lésbicas, pois, já falamos demais sobre pessoas heterossexuais. A temática heterossexual está em todos os lugares: os casais da novela são casais heterossexuais. Os casais visíveis nos espaços públicos são heterossexuais, já que casais homossexuais evitam manifestar afeto em locais públicos, sob o risco de serem assassinados ou violentados fisicamente. As conversas familiares são sobre os casais heterossexuais da família. As propagandas que vendem produtos para a casa retratam famílias com casais heterossexuais. Os romances, as histórias em quadrinhos, os filmes, são sobre pessoas heterossexuais. O modelo de relacionamento difundido e reforçado como ideal, em todos os espaços da sociabilidade – escolas, famílias, religiões, espaços de lazer – é o modelo heterossexual. Quando muito, casais de lésbicas ou gays são apenas tolerados em alguns espaços, mas, na maioria das vezes, assediado, humilhado e rechaçado.

Falamos sobre o assunto em nosso Ep #015 Visibilidade lésbica e bissexual

A estrutura social não incentiva, apóia e valoriza os relacionamentos homossexuais da mesma forma como faz com casais héteros. Ao contrário, pune e incentiva a violência contra lésbicas e gays. Violências psicológicas, simbólicas e até físicas e sexuais. Inclusive, atualmente há 68 países onde ser lésbica ou gay é considerado crime[i].

A maioria das sociedades atuais permite apenas que pessoas heterossexuais sejam visíveis, que apresentem seu conjugue para os amigos e família, que tenham direitos civis reconhecidos enquanto casal e família, que confidenciem para os amigos íntimos sobre os problemas de um relacionamento. A visibilidade em excesso das pessoas heterossexuais está em todos os lugares, públicos e privados. O mundo reverencia pessoas, casais e relacionamentos heterossexuais constantemente. Ao mesmo tempo, condena a existência de gays e lésbicas. Lésbicas são também alvo da misoginia inerente ao regime patriarcal, sendo punidas também enquanto mulheres.

Visibilizar é defender o fim da violência e ressaltar lésbicas enquanto sujeitas políticas

Quando tornamos um tema visível, trazemos à tona todos os elementos que o compõe. Para falar sobre visibilidade lésbica é preciso partir de dois lugares iniciais. Primeiro, é preciso reconhecer onde estão ocorrendo violências contra mulheres lésbicas e quem as está cometendo. É preciso então agir para que essas violências acabem imediatamente. Segundo, é necessário reconhecer que mulheres lésbicas são também produtoras de sentido e colaboram para a construção coletiva das sociedades, para as interpretações coletivas e para a elaboração de estratégias e soluções. Eliminar a violência lesbofóbica também ocorre através do impulsionamento e reconhecimento de mulheres lésbicas na sociedade enquanto sujeitas políticas, ou seja, enquanto mulheres que também decidem sobre o coletivo.

Agosto é o Mês da Visibilidade Lésbica no Brasil

Devido aos fatores apontados acima, mulheres lésbicas vêm se organizando no Brasil e no mundo, não apenas atualmente, mas, em momentos passados. Além de organizarem espaços de afeto e semelhança onde podem partilhar suas histórias e conviver coletivamente sem a violência lesbofóbica, se reúnem também para propor estratégias para a vida das mulheres lésbicas, já que excluídas de direitos e reconhecimento nas sociedades heterossexuais. Lésbicas vem também propondo debates e práticas para a vida coletiva, elaboradas não apenas em espaços lésbicos, mas, também em espaços mistos, com outras mulheres e homens. Em agosto, duas datas são simbólicas neste mês: dia 19 e 29, representando momentos contextos tanto de denúncia quanto de organização coletiva entre as lésbicas, nos anos de 1996 e 1983, respectivamente. Anualmente as mulheres lésbicas realizam atividades durante este mês, em uma ação de manutenção da memória através de ações políticas no presente.

Agosto de 2020 e as atividades online devido à pandemia

O ano de 2020 trouxe muitos desafios à realização de encontros entre pessoas em todas as sociedades, devido à pandemia do novo Coronavírus. Assim como em outros setores da sociedade, as atividades de Agosto, o Mês da Visibilidade Lésbica, ocorreram de forma online. Foi um agosto histórico, pois, aproximou mulheres lésbicas que estavam fisicamente distantes umas das outras, através de inúmeras entrevistas, shows, debates e oficinas realizadas na internet. Através do site Palavra e Meia, eu contabilizei aproximadamente 250 atividades realizadas no Mês da Visibilidade Lésbica[ii].

A atividade mais recorrente neste mês foi a entrevista individual, majoritariamente tendo lugar na rede social Instagram, sendo sua característica principal o aprofundamento no detalhe, no destrinchar de uma ideia. Histórias que eram antes partilhadas em encontros presenciais regionais ou estaduais, ganharam alcance nacional, para não dizer mundial. Narrativas lésbicas de várias gerações puderam ser conferidas por pessoas não apenas do Brasil, mas, de outros países. Mulheres com mais de 60 anos relataram sobre o movimento lésbico da década de 70 e também teorizaram sobre o momento presente. Mulheres das mais variadas áreas profissionais falaram sobre lesbiandade e muitos outros assuntos.

Este pequeno banco de dados compilado no Palavra e Meia vem, portanto, somar com as informações e pesquisas sobre produções de mulheres lésbicas no Brasil atual . Ele pode ser acessado para fins de pesquisa, contatos profissionais, propostas de trabalho, ou simplesmente para se conhecer um pouco sobre as narrativas lésbicas atuais sobre a realidade, enriquecendo conhecimentos e aprendizados.

Devemos continuar visibilizando mulheres lésbicas na sociedade até que todas as mulheres lésbicas estejam vivendo plenamente enquanto sujeitas política na sociedade. Continuemos, até que todas as mulheres estejam livres da violência patriarcal.

Por: Daniela Alvares Beskow, 37. Escritora e artista. Bacharel em Ciências Políticas e licenciada em Ciências Sociais pela UNICAMP, bacharel em Comunicação das Artes do Corpo pela PUCSP e mestre em Artes Cênicas pela UNESP. No mestrado lançou dois conceitos: “dramaturgia cênica feminista”
e “análise situada de espetáculos”. Autora de sete livretos, dentre eles “Perspectiva feminista, movimento feminista e movimento de mulheres no Brasil”. Dentre os seus temas de pesquisa estão: violência, violência contra as mulheres, epistemologia feminista, movimentos feministas e movimentos de mulheres no Brasil, processo de tomada de decisão, anarquismo, método, dramaturgia cênica e investigação do movimento.

De acordo com a Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais (ILGA) em dezembro de 2019, são 68 países – dentre os países membros das Nações Unidas – que criminalizam a homossexualidade: 32 estão na África, 9 na América Latina, 21 na Ásia e 6 na Oceania. . Fonte: ILGA World, Lucas Ramon Mendos. “Homofobia apoiada pelo Estado. Atualização sobre o panorama da legislação global”. Genebra, dezembro de 2019.

“Eventos Online da Visibilidade Lésbica pelo Brasil”

Só de ouvir, dá pra ver que é diferente.