Tudo o que você precisa saber sobre divórcio impositivo ou unilateral
Você sabia que o casamento era indissolúvel até 1977? Com isso, quero dizer que até 1977 não era possível terminar um casamento apenas pela vontade de algumas das pessoas que estivesse casada. Por lei, apenas pela morte ou anulação um casamento poderia terminar.
Ah, mas eu conheci pessoas desquitadas…
Bem, desquite era uma situação diferente, que não terminava o casamento, mas apenas permitia que os cônjuges não mais tivessem direitos e deveres um em relação ao outro, mas o casamento permanecia íntegro.
Em 1977, o Brasil promulgou a Emenda Constitucional n. 09 e aprovou a Lei n. 6.515, que viria a ser chamada de Lei do Divórcio, de autoria do senador Nelson Carneiro. A partir de então, o desquite foi substituído pela separação judicial e de fato e permitiu-se o divórcio, isto é, o término do casamento.
Ainda assim, o acesso à separação e ao divórcio não eram tão fáceis. Para a separação, exigia-se separação de fato do casal por pelo menos 03 anos mais acusação de conduta desonrosa ou violação dos deveres do casamento que tornassem a vida em comum insuportável. E, para conseguir o divórcio, seria ainda necessário o mínimo de 01 ano entre a data da separação judicial e o pedido judicial de divórcio.
Pela Constituição da República de 1988 e o Código Civil de 2002, que regem a vida civil, o prazo para a separação foi reduzido para 01 ano de ruptura da vida em comum, mas quando houvesse vontade de ambos de se separarem, a lei exigia que o casamento existisse por no mínimo 01 ano. São conhecidos os casos em que combinaram de um indicar o outro como descumpridor do casamento para conseguirem se separar, por decisão de ambos, antes do prazo mínimo. Em relação ao divórcio, este tornou-se possível após separação judicial de 01 ano ou separação de fato por mais de 02 anos.
Ainda assim, profissionais do Direito acreditavam que havia muitos obstáculos ao término do casamento, o que seria inadequado à evolução ao modo de vida da sociedade brasileira.
Por anos, foram propostas iniciativas de facilitação do divórcio, até que em 2010 foi promulgada a Emenda Constitucional n. 66, que extinguiu o prazo para o divórcio. Em palavras simples: não precisaria mais de prazo, nem de acusação, ou nada. O fato de estar casado ou casada permite que a pessoa requeira o divórcio, qualquer que seja o motivo e sem precisar dizer o motivo.
E a separação? Em relação a ela, até hoje debatemos se ela ainda existe ou não…
Vários foram os argumentos utilizados para a facilitação do divórcio: uma nova realidade da família, as pessoas querem estar mais livres para optar por permanecerem casadas e com quem estarem casadas e que não há motivo para que o Estado brasileiro, algo bem abstrato e que não faz parte do dia-a-dia de um casal, decida se alguém pode e porquê pode se divorciar.
Desde a emenda constitucional, ficou mais fácil se divorciar: basta pedir o divórcio. E esse pedido pode ser feito no Poder Judiciário, em processo, ou em cartório, por escritura pública, quando ambas as pessoas estivessem de acordo com o divórcio e não tivessem filhos ou filhas com menos de 18 anos de idade.
Ainda assim, existem regras que precisam ser cumpridas para conseguir o divórcio, e ele só pode ser feito sem a participação do Judiciário se houver consenso.
Mas existe uma crítica que essa mudança não conseguiu responder: em direito de família aprendemos que divórcio é um direito potestativo, o que significa dizer que é um direito que não precisa da concordância da outra pessoa para ser deferido. Sim, estou dizendo que o seu (ou sua) cônjuge não precisa concordar com você caso seja do seu interesse se divorciar. Seria bem a mais perfeita frase: “uma andorinha só, nesse caso, faz verão”. E isso acontece porque todos temos a liberdade de estarmos casados|as e com quem queremos estar casados|as.
Então, se é direito potestativo, por que seria necessário que a outra pessoa concorde, para o divórcio extrajudicial (em cartório), ou, se não tiver acordo, pedir ao juiz?
Por conta dessa pergunta, os Tribunais de Justiça de Pernambuco e Maranhão decidiram, esse ano, criar normas aos cartórios extrajudiciais que eles administram permitindo que qualquer pessoa casada pudesse solicitar o divórcio, com ou sem acordo, bastando para isso comparecer ao cartório. Com o pedido, o cartório notificaria o|a outro|a cônjuge e, passado o prazo para resposta, seria autorizado o divórcio.
Além de agilizar o divórcio, ainda teria a vantagem de retirar os processos do Judiciário.
Especificamente no âmbito de direitos das mulheres, é uma proposta muito interessante, porque a grande maioria dos divórcios são solicitados por elas.
Agora, imagine se essa notificação enviada pelo cartório se perdesse nos Correios? Se alguém recebesse e nunca a entregasse? E se quem quer o divórcio nem sabe onde está a outra pessoa que precisa receber a notificação? Deveríamos, nesse caso, permitir o divórcio unilateral? Como a outra pessoa saberia que ela também está divorciada? Isso é seguro?
Essas novas perguntas foram levantadas em razão das decisões dos Tribunais de Pernambuco e Maranhão, e levaram a um pedido de providência no Conselho Nacional de Justiça, que realiza o controle das atividades administrativas de todos os tribunais do país.
No último dia 31 de maio, o Conselho Nacional de Justiça, por decisão do Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Humberto Martins, determinou a revogação das portarias que permitiam o divórcio unilateral. Na decisão, o Corregedor esclareceu que a lei permite divórcio extrajudicial apenas nos casos em que há consenso; nos demais caso, haja discordância ou não se saiba a opinião da outra pessoa, a lei determina que o divórcio ocorra via Judiciário. Por isso, as portarias violavam o Código Civil e o Código de Processo Civil.
Apesar de, em um primeiro momento, a medida pareça ser antifeminista, é preciso considerar que mulheres poderiam ser prejudicadas por falhas na indicação de seus endereços ou na entrega das notificações, o que poderia vir a refletir em outros direitos que são articulados junto com o divórcio, tais como o uso do nome, a divisão dos bens, alimentos e, quando há filhos ou filhas, os direitos dessas crianças e adolescentes.
De qualquer forma, joga-se luz novamente ao debate de facilitação e desjudicialização do divórcio, o que se espera que trará novas propostas em âmbito nacional que permitam, com maior eficácia, o exercício do direito de as pessoas não permanecerem casadas.