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A lei que proteje a mulher contra a violência é privilégio?

11 de dezembro de 2019

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A lei que proteje a mulher contra a violência é privilégio?

Acabamos de passar pela campanha “16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra Mulheres E Meninas” e talvez você, leitora e leitor, pensem que a única forma de violência contra a mulher seja a física. Mas não.

A melhor definição sobre violência contra a mulher no Brasil consta da Convenção de Belém do Pará. Uma Convenção é um documento internacional que uma vez confirmado pelo país e autorizado pelo Congresso, se torna equivalente a uma lei e, portanto, obrigada que o conteúdo seja cumprido. Ressalvo apenas que, desde 2004, se esse tratado tiver como conteúdo algum tema sobre direitos humanos e foi aprovado em duas votações por 3/5 da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, cada um deles, será equivalente a uma emenda constitucional, ou seja, torna-se tão importante quanto a Constituição. Isso está no artigo 5º, § 2º, da nossa Constituição.

A Convenção de Belém do Pará foi concluída em 1994 e se tornou obrigatória no país em 1996, quando foi aprovada pelo Congresso. Dois artigos são bem importantes para entender o significado de violência: o primeiro deles, o artigo 1º, que diz que a violência contra a mulher é todo ato ou conduta que seja praticado baseado no gênero, e que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico, tanto na esfera pública como na esfera privada. O segundo artigo importante é o art. 2º, que traz alguns exemplos de formas de violência. Diz assim:

Artigo 2

Entende-se que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e psicológica.

a) ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua residência, incluindo-se, entre outras turmas, o estupro, maus-tratos e abuso sexual;

b) ocorrida na comunidade e comedida por qualquer pessoa, incluindo, entre outras formas, o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no local de trabalho, bem como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local; e

c) perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.

Por que essa preocupação com violência contra a mulher? Vou explicar pelo ponto de vista do Direito.

Pode parecer estranho, mas nem sempre as pessoas foram tratadas como iguais. Essa é uma inovação bem recente na verdade. No Brasil, tem apenas 31 anos e começou na Constituição de 1988.

Até essa data, mulheres eram sim consideradas inferiores ao homem e podiam receber menos direitos do que os homens. Dou alguns exemplos: a mulher era obrigada, até 1962, a adotar o nome do marido ao se casar; também até 1962, ao se casar, a mulher se tornava relativamente incapaz e só poderia fazer contratos e até trabalhar se tivesse autorização do marido e, aliás, o seu salário podia ser “confiscado” pelo marido também; até 2002 havia um regime de casamento de dote, que basicamente significa que era dado um “prêmio” (em dinheiro ou bens) ao marido em razão do casamento.

Essa inferioridade tem uma longa história e pesquisadoras têm procurado contar como e porquê isso aconteceu.

Mas é incontestável, certo e seguro, de que ao longo da história da humanidade, as mulheres foram rebaixadas a condições inferior às dos homens.

Foi a movimentação e luta de feministas brasileiras que possibilitou que na Constituição de 1988 constasse uma das regras mais relevantes para começar a mudança desse cenário e ela está no inciso I do art. 5º: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos da Constituição”.

Essa frase tão curta carrega anos de lutas feministas e sintetiza um objetivo a ser alcançado: igualdade!

Ainda assim, a simples existência de uma lei, mesmo que essa lei seja a Constituição, não é suficiente para conseguir resolver séculos em que as mulheres foram transformadas em meras sombras para o Direito. E é aqui que entra a importância da Convenção do Pará e outras leis de proteção à mulher, como a Lei Maria da Penha.

Essas leis e todas as outras que têm a intenção de prevenir e punir a violência contra a mulher vão buscar

  1. combater a ideia muitas vezes inconsciente que a sociedade carrega de que a mulher é inferior; e, assim,
  2. buscar tornar concretamente mulheres e homens iguais em direitos.

Precisamos assim entender que essas leis que protegem de forma especial a mulher não servem, como se diz por aí, para dar privilégio. Ao contrário, elas são formas que o Brasil, enquanto país e governo, têm para reduzir os efeitos de anos e anos em que mulheres foram tratadas mais como objeto do que como pessoas.

Para entender mais sobre o fenômeno da violência contra a mulher e combates via políticas públicas, tem esse texto aqui da Aline Hack!

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Doutora em Direito Civil, Professora de Direito Civil na FGV Direito Rio, Defensora Pública no RJ, Mulher negra, feminista, cisgênero.