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Licença maternidade ou licença parental?

6 de novembro de 2019

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Licença maternidade ou licença parental?

Domingo de manhã e fiz tudo como sempre faço: fui correr, voltei, tomei banho, preparei o café da manhã que tomei com calma, li os jornais, cuidei das plantas e brinquei com as gatas.

Como ainda era meio cedo para começar o almoço, decidi adiantar a escrita. Liguei o computador e me pus a pensar: que história precisa ser contada? Depois de algum tempo pensando, comecei a digitar as primeiras frases: “Luiz e Fernanda estavam casados há alguns anos e esperavam seu primeiro filho. Decidiram não saber o sexo durante os exames e nem fizeram o famoso chá revelação. Faltavam alguns dias para a data programada para o parto e tudo estava organizado para os dias que se seguiriam. Mesmo ambos tendo licença nos respectivos trabalhos, os pais de ambos viriam em casa para ajudar os pais de primeira viagem…”.

Ao terminar de escrever esse pequeno pedaço, algumas perguntas vieram à minha cabeça: e se fosse “Luiz e Gabriel?” ou “Fernanda e Maria?” ou se quaisquer desses dois personagens, homem ou mulher, nem fossem casados entre si, será que esse texto estaria correto?

Lembrei-me, então, de uma notícia de julgamento no Supremo Tribunal Federal que eu havia recebido no whatsapp. Queria ter certeza e saí em busca das mensagens arquivadas. O sistema de busca não é dos melhores, mas depois de algum tempo, confirmei minhas suspeitas:

“O Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral sobre a possibilidade de concessão de licença-maternidade à mãe não gestante de casal homoafetivo, cuja companheira engravidou após inseminação artificial.”

Parei para pensar: o que eu decidiria se esse caso estivesse comigo? Qual seria a minha opinião?

Bem, a Constituição de 1988 assegura as mulheres e aos homens licença maternidade e licença paternidade como direto fundamental (art. 7º, XVIII e XIX) e cobertura pela Previdência Social no caso da maternidade (arts. 201, II, e 203), e que se estende aos servidores públicos (art. 37, § 3º)

Nas relações vinculadas à CLT, a mulher tem direito a estabilidade no emprego com a confirmação da gravidez e licença maternidade de 120 dias, que pode ser prorrogada por mais 60 dias se a empresa participar do Programa Empresa Cidadã. No caso da licença paternidade, ela é de 05 dias (art. 10, § 1º, do ADCT), extensível por mais 15 dias se a empresa participa do Programa Empresa Cidadã.

Quando a CLT foi promulgada, na década de 40, a licença maternidade era de apenas 6 semanas e aumentou para 12 semanas em 1967 e apenas em 2002 para 120 dias.

A licença paternidade nunca esteve na CLT e sempre dependeu de outras leis.

De qualquer forma, a enorme diferença entre essas duas licenças sempre foi justificada no fato de que a mulher é a gestante e dela dependeriam os cuidados essenciais ao bebê nos seus primeiros dias. Ao pai caberia a assistência inicial e, claro, continuar a sustentar a família, justificando que não se ausentasse do trabalho.

Esse modelo funciona bem em famílias heterossexuais e patriarcais, em que a mulher tem o dever de cuidado e o homem o dever de sustento, mas ele é completamente inadequado nas formações atuais de família, em especial, aquelas que são formadas por pessoas de mesmo sexo.

Vamos repetir a história do início, mudando os personagens:

  1. Luiz e Fernanda serão pais em alguns dias de um recém-nascido;
  2. Luiz e Gabriel serão pais em alguns dias de um recém-nascido;
  3. Fernanda e Maria serão mães em alguns dias de um recém-nascido.

Para o Direito existente hoje, no caso 1, Fernanda teria licença maternidade de 120 dias e no exemplo 3, Fernanda ou Maria, a depender de quem engravidou. Luiz e Gabriel, no exemplo 2, teriam no máximo 05 dias de licença paternidade.

O que quero dizer com isso tudo? A definição de paternidade e maternidade ainda depende do sexo biológico e por isso o Direito não consegue dar respostas adequadas a todos os casos. Afinal, existe alguma lógica em dar 120 dias de licença maternidade a uma mãe de um recém-nascido (exemplo 1) e apenas 05 dias de licença ao pai de um recém-nascido apenas em razão da diferença biológica (exemplo 2)? A criança não tem as mesmas necessidades de alimentação, cuidado e criação de vínculos afetivos nos dois casos?

Não quero aqui dizer que não existem particularidades em relação à mulher que gesta. Existem, e essas circunstâncias têm que ser consideradas. Mas não se pode perder de vista, no debate sobre licença paternidade e maternidade, o direito ao cuidado da criança.

A licença é instituída em razão da criança, acima de tudo, para que ela receba a assistência necessária nos primeiros dias de vida.

Ou seja, as questões que se colocam são: o sexo biológico deve ainda definir o período de afastamento da pessoa para o cuidado com o filho ou filha? Se sim, por qual extensão? Se sim, o que justifica a diferenciação e em que medida o sexo biológico influencia o debate? Se a resposta for não, por quê?

 Retomando a pergunta que me fiz, chego a conclusão que fico insegura com uma resposta. Mas tenho a certeza que se aproxima um amplo debate sobre a reformulação da licença parental para além do sexo.

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Doutora em Direito Civil, Professora de Direito Civil na FGV Direito Rio, Defensora Pública no RJ, Mulher negra, feminista, cisgênero.